O grande vencedor do Emmy 2021 de Melhor Minissérie ou Filme Para TV, “O Gambito da Rainha”, da Netflix, foi dirigido e escrito por Scott Frank (roteirista de “Irresistível Paixão” e “Minority Report-A Nova Lei”) a partir dos fatos reais que cercaram a vida de Elizabeth Harmon, uma enxadrista prodígio norte-americana.
Dotado daquela característica sublime que volta
e meia acomete brilhantes obras televisivas –a de ser uma produção cinematográfica
em todos os seus valores e definições, mas, por acaso, possuir uma duração
proibitiva a um circuito de exibição comercial (sete horas, neste caso) –“O
Gambito da Rainha” é uma conjunção primorosa de fatores muito felizes: Ao
assumir a direção de um roteiro de sua autoria, Scott Frank deixou, de certa
maneira, de lado os elementos intrincados com os quais apreciava adornar seus
trabalhos –“O Gambito da Rainha” é acessível e inteligível, mesmo em momentos
que presumimos que ele não venha a ser! –priorizando as emoções universais e os
detalhes saborosos na trajetória de sua protagonista. A própria história real,
da forma como vemos se desenrolar na tela, é uma jornada vibrante, notável e
envolvente, pedindo para ganhar uma produção que a retratasse. E, finalmente, a
bela e jovem atriz Anya-Taylor Joy, habituada à cada projeto a surpreender o
público, entrega uma atuação precisa, cativante e carregada de empatia e
inteligência.
A jovem Beth Harmon (no primeiro capítulo
vivida pela pequena Isla Johnston) sofreu, ainda aos nove anos de idade, um
trágico acidente onde perdeu a mãe. Abandonada pelo pai, de quem pouco teve
informações (embora esse plot seja retomado mais tarde), ela vai parar em um
orfanato para meninas, onde não encontra outra saída senão adaptar-se às rígidas
e massacrantes regulamentações de então –meados de 1961. Lá, Beth, bem como
todas as outras garotas, é submetida a um regime de psicotrópicos que buscavam
inibir as tendências mais rebeldes das garotas internas. Aconselhada pela amiga
Jolene (Moses Ingram), Beth aprende a guardar as cápsulas do remédio verde e
usá-las somente na hora de dormir –embora não deixe, gradativamente, de
viciar-se neles e em seu efeito letárgico.
A aptidão sem igual de Beth surge quando ela
conhece, nos porões da dependência, um velho zelador (o veterano Bill Camp, de
“Os Infratores” e “Inimigos Públicos”), flagrado sempre compenetrado sobre um
tabuleiro de peças diferenciadas que chamam a atenção da jovem. Ele jogava
xadrez. E, com o tempo, Beth aprende os movimentos de cada peça e passa a jogar
com ele.
O fato de Beth, com apenas dez anos, superá-lo
no jogo –ele, que era jogador de um clube de xadrez –lhe chama a atenção para o
talento incomum da criança. Beth é levada para um colégio onde deve jogar
simultaneamente (e sozinha) contra todos os membros do clube de xadrez –e
derrota a todos!
Já mais velha –e interpretada então com energia
cênica e magnetismo pela sensacional Anya-Taylor Joy –Beth é adotada, aos treze
anos de idade (!) por um casal. Entretanto, essa não é necessariamente uma
família feliz: O marido está em iminente abandono do lar, e a esposa (Marielle
Heller, de “Um Lindo Dia Na Vizinhança”), agora mãe adotiva de Beth, afunda no
alcoolismo –Beth foi nada mais que um recurso para que a mulher não ficasse
sozinha, possibilitando a saída do marido sem complicações.
Frequentando uma escola normal –com meninos e
meninas –Beth colide com todos os aspectos da vida normal que ela não teve
contato durante seu período no orfanato e com sua falta de traquejo social.
Todavia, a garota não deixa de perseguir o xadrez: Ela se informa dos
campeonatos locais e vai vencendo, etapa após etapa, até galgar às disputas
nacionais, e começar a chamar a atenção por suas capacidades.
Nesse ponto, quando alguns anos já
transcorreram, ela viaja, ao lado da mãe, para diversas cidades americanas, de
Las Vegas à Cinccinnati, competindo com jogadores de nível cada vez mais alto,
e surpreendendo detratores e expectadores ao ombrear com todos eles em
habilidade e conhecimento. A trajetória de Beth Harmon segue duas ênfases
paralelas que definem em grande medida a jornada dessa protagonista: De um
lado, os competidores, sempre homens e sempre intransigentes, em cujo
desenvolvimento de personagens, aparecem inicialmente como adversários
antagônicos, mas acabam ganhando a simpatia da heroína e do público se
convertendo em aliados fundamentais em ocasiões vindouras –é o caso de Harry
Beltik (Harry Melling, de "Harry Potter”), primeiro competidor realmente forte
com quem ela se defronta; e Benny Watts (Thomas Brodie-Sangster, de “Maze Runner”),
enxadrista nova-iorquino que ensina a ela técnicas e percepções novas na forma
de jogar xadrez; de outro lado, a concretização do vício de Beth, em
psicotrópicos que calibram sua mente –equilibrando a ansiedade e a calmaria
–para entender e visualizar jogadas de uma complexidade que escapa à mentes
menos prodigiosas (tais jogadas são ilustradas em visualizações que ganham a
adição de efeitos digitais a alterar sombras e texturas do cenário), e mais
tarde, o próprio alcoolismo herdado do hábito auto-destrutivo da mãe adotiva.
A medida que se torna uma das mais aclamadas
enxadristas de todos os tempos, competindo com verdadeiros mestres definidos
para ela como adversários inatingíveis, Beth se coloca entre os melhores do
mundo, e vai para Paris e, ao fim, para Moscou, onde lhe aguarda o maior
desafio de sua carreira: O frio e impassível Vasily Borgov (Marcin Dorocinski).
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