Os irmãos Peter e Bobby Farelly reinaram absolutos na comédia escrachada por muitos anos graças a sucessos como “Debi & Lóide”, “Quem Vai Ficar Com Mary?” ou “Eu, Eu Mesmo e Irene”. Por conta desse apelo essencialmente popular de suas realizações –além do caráter um tanto chulo presente em seu estilo de humor –jamais se cogitou a possibilidade de um deles ganhar um Oscar, contudo, foi isso que acabou acontecendo: Numa temporária tentativa de alçar um voo solo, Peter Farelly assumiu, sem a presença de seu irmão Bobby, a direção e o roteiro deste “Green Book-O Guia” que arrebanhou o Oscar 2019 de Melhor Filme num ano que contava com obras estupendas como “A Chegada” e “Infiltrado Na Klan” –cujo realizador, Spike Lee, não ficou nada feliz em perder para um filme onde o tema do racismo era abordado segundo o ponto de vista de um homem branco.
Ideologias à parte, “Green Book” sagra-se por
ser basicamente um filme delicioso de se assistir, onde a junção equilibrada,
hábil e astuta de comédia e drama serve aos propósitos da premissa e à empatia
pelos personagens.
Na maestria com a qual ele praticamente
habituou o público, Viggo Mortensen surge transfigurado –e na execução de um humor
surpreendente –como Tony ‘Lip’ Vallelonga, um nova iorquino ítalo-americano
que, para variar, tem lá suas relações com os mafiosos: Ele trabalha em um night-club como leão de chácara.
Em meados da década de 1960, quando negócios
capitaneados pela máfia eram sempre inconstantes, Tony vê seu ganha-pão se
acabar quando o clube é fechado.
À procura de emprego para colocar comida na
mesa, Tony atende ao chamado de um certo Dr. Don Shirley (Mahershala Ali,
fantástico), o qual ele descobre ser, não um médico, mas um músico, e negro!
Dr. Shirley tem uma série de apresentações
agendadas ao longo de diversas cidades pelo sul norte-americano e precisa de
não apenas um motorista, mas um funcionário à sua disposição para inúmeras
tarefas. A ocupação paga bem, mas exige de Tony a disponibilidade de dois meses
–e a chance de, quem sabe, não voltar a tempo para passar o Natal com a
família.
Relutante pela condição inusitada em que é
colocado –afinal, agora, o negro é o empregador e o branco o empregado, em
plenos EUA, durante o auge da segregação racial e dos debates sobre os direitos
civis –estranhamento que os dois protagonistas despertam em praticamente todos
os coadjuvantes, Tony aceita o trabalho e ganha a estrada a bordo de um
Cadillac Sedan DeVille azul levando Dr. Shirley no banco de trás.
E não é absolutamente nada difícil deduzir o
que irá acontecer: Apesar das personalidades conflitantes –Tony é explosivo e
macarrônico; Shirley é culto e meticuloso –e de inicialmente haver inevitáveis
rusgas, os dois protagonistas, levados pela situação de convívio forçado, vão
descobrindo certa afinidade e empatia, com a qual, por fim, forjam uma amizade
genuína. E, se isso é deveras previsível, a condução inspirada de Peter Farelly
e, em especial, as atuações reluzentes, carregadas de carisma e de vivacidade
de Viggo Mortensen e Mahershala Ali transformam a experiência de acompanhar
esse processo em algo saboroso, a ponto do expectador lamentar quando o filme
chega a seu final.
Claro que isso não quer dizer que “Green Book”
seja uma obra perfeita –ao surgir num período em que a própria indústria é
questionada sobre sua representatividade e sobre a validade de obras abordando
o preconceito contra negros visto pela ótica de realizadores brancos (como
também fez, por exemplo, “Histórias Cruzadas”), a produção de Peter Farelly
corre o risco de soar redundante e até mesmo anacrônica –argumentos dos quais
se valeram os muitos que criticaram sua premiação no Oscar.
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