segunda-feira, 8 de abril de 2019

Infiltrado Na Klan

O mais festejado trabalho do diretor Spike Lee dos últimos tempos é uma daquelas obras baseadas em fatos reais que nos impressiona a todo o instante tamanho o volume de situações inacreditáveis e circunstâncias assombrosas que as cercam –e ao testemunhá-las, como expectadores, só nos resta a admiração por uma história tão extraordinária ter encontrado meios de ser mais uma vez contada em filme.
“Infiltrado Na Klan” inicia-se com um dos takes mais famosos do clássico imortal “E O Vento Levou”; filme que (à exemplo do infinitamente mais controverso “O Nascimento de Uma Nação”, de D.W. Griffith, de 1915, que também aparecerá numa das cenas mais tensas) faz um retrato discutível da condição dos negros no sul dos EUA. Em seguida, temos uma filmagem documental onde um Alec Baldwin inspiradíssimo faz as vezes de um líder de congregação sulista em um discurso de ódio insuflado; suas hilárias tentativas de corrigir a própria entonação e veemência tornam tudo ainda mais especialmente ridículo.
E Spike Lee vai deixando bem claro que é só o começo de muitos absurdos.
São meados da década de 1970 quando, na cidade de Colorado Springs, o jovem negro Ron Stallworth (John David Washington, filho do astro Denzel Washington) consegue uma vaga no Departamento de Polícia local. Da frustrante ocupação nos arquivos, ele consegue uma promoção ao aceitar uma inevitável missão como infiltrado. Ele deve acompanhar de perto uma reunião dos Panteras Negras. É lá que ele conhece a idealista e ativista Patrice (Laura Harrier, de “Homem-Aranha De Volta Ao Lar”) com quem inicia um relacionamento todo relutante pelo fato de Ron ter de esconder que é policial.
Não é o único segredo que ele tem de manter: Trabalhando na Inteligência, Ron entra em contato com uma célula da Ku Klux Klan de Colorado Springs por telefone, e consegue estabelecer afinidade o suficiente para ser convidado para suas restritas reuniões.
Para tanto, ele precisa estabelecer uma sintonia impecável com o detetive judeu Flip Zimmerman (Adam Driver) que, por razões óbvias, deve se passar por Ron de corpo presente –ao incorporar (um ao telefone, o outro em presença física) um personagem infiltrado, eles precisam descobrir a gravidade e exatidão de um ataque terrorista planejado pela Klan dentro em breve; e que pode ter como alvo a própria Patrice!
Spike Lee se despe consideravelmente de firulas neste ótimo trabalho, ciente do início ao fim do teor sensacional da trama que tem em mãos –e do fato de que, por isso mesmo, ela fala por si; não à toa, “Infiltrado Na Klan” levou o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado.
Estão lá as observações onipresentes de Lee acerca da pouco mutável situação dos negros americanos –e que, na narrativa poderosa e implacável, levam a uma sensação de indignação do expectador –assim como também estão as concepções bem sedimentadas de realidade, de espaço e tempo bem definidos, e que conectam (de forma explícita no seu final) o tema do filme com eventos urgentes e atuais que não podem ser ignorados.
“Infiltrado Na Klan” é, pois, Spike Lee em toda a sua fúria e primor.

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