O mais festejado trabalho do diretor Spike Lee
dos últimos tempos é uma daquelas obras baseadas em fatos reais que nos
impressiona a todo o instante tamanho o volume de situações inacreditáveis e
circunstâncias assombrosas que as cercam –e ao testemunhá-las, como
expectadores, só nos resta a admiração por uma história tão extraordinária ter
encontrado meios de ser mais uma vez contada em filme.
“Infiltrado Na Klan” inicia-se com um dos takes
mais famosos do clássico imortal “E O Vento Levou”; filme que (à exemplo do
infinitamente mais controverso “O Nascimento de Uma Nação”, de D.W. Griffith,
de 1915, que também aparecerá numa das cenas mais tensas) faz um retrato
discutível da condição dos negros no sul dos EUA. Em seguida, temos uma
filmagem documental onde um Alec Baldwin inspiradíssimo faz as vezes de um líder
de congregação sulista em um discurso de ódio insuflado; suas hilárias
tentativas de corrigir a própria entonação e veemência tornam tudo ainda mais
especialmente ridículo.
E Spike Lee vai deixando bem claro que é só o
começo de muitos absurdos.
São meados da década de 1970 quando, na cidade
de Colorado Springs, o jovem negro Ron Stallworth (John David Washington, filho
do astro Denzel Washington) consegue uma vaga no Departamento de Polícia local.
Da frustrante ocupação nos arquivos, ele consegue uma promoção ao aceitar uma
inevitável missão como infiltrado. Ele deve acompanhar de perto uma reunião dos
Panteras Negras. É lá que ele conhece a idealista e ativista Patrice (Laura
Harrier, de “Homem-Aranha De Volta Ao Lar”) com quem inicia um relacionamento
todo relutante pelo fato de Ron ter de esconder que é policial.
Não é o único segredo que ele tem de manter:
Trabalhando na Inteligência, Ron entra em contato com uma célula da Ku Klux
Klan de Colorado Springs por telefone, e consegue estabelecer afinidade o
suficiente para ser convidado para suas restritas reuniões.
Para tanto, ele precisa estabelecer uma
sintonia impecável com o detetive judeu Flip Zimmerman (Adam Driver) que, por
razões óbvias, deve se passar por Ron de corpo presente –ao incorporar (um ao
telefone, o outro em presença física) um personagem infiltrado, eles precisam
descobrir a gravidade e exatidão de um ataque terrorista planejado pela Klan
dentro em breve; e que pode ter como alvo a própria Patrice!
Spike Lee se despe consideravelmente de firulas
neste ótimo trabalho, ciente do início ao fim do teor sensacional da trama que
tem em mãos –e do fato de que, por isso mesmo, ela fala por si; não à toa, “Infiltrado
Na Klan” levou o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado.
Estão lá as observações onipresentes de Lee
acerca da pouco mutável situação dos negros americanos –e que, na narrativa
poderosa e implacável, levam a uma sensação de indignação do expectador –assim como
também estão as concepções bem sedimentadas de realidade, de espaço e tempo bem
definidos, e que conectam (de forma explícita no seu final) o tema do filme com
eventos urgentes e atuais que não podem ser ignorados.
“Infiltrado Na Klan” é,
pois, Spike Lee em toda a sua fúria e primor.
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