quinta-feira, 11 de abril de 2019

Contos Imorais

Responsável por algumas das mais notáveis e incisivas observações de pulsões sexuais já vistas no cinema (como os desestabilizadores “Le Bête” e “Atrás dos Muros do Convento”), Walerian Borowczyk realiza aqui uma espécie de compêndio das inclinações pervertidas do ser humanos, distribuídas em quatro episódios impregnados da vivacidade maliciosa e sugestiva que dá às suas obras um sabor tão desigual.
No primeiro deles, “Le Marée”, um casal de adolescente segue por uma estrada idílica à beira-mar, na Europa rural. Ambos são primos. A moça é desejável, porém, o rapaz não lhe atribui qualquer elogio ou gentileza; ele é de uma rudeza que parece refletir a autoridade dos que pensam saber muito sobre aqueles que ainda não aprenderam.
Não deixa de ser essa a dinâmica machista que Borowczyk constrói: Ao som da quebra onipresente das ondas, ele irá inicia-la nos prazeres do sexo oral!

O segundo episódio, “Therese Philosophe”, parece se passar no Século XIX. Dominada por pensamentos libidinosas, a jovem protagonista (Charlotte Alexandra, linda) –a única personagem a aparecer neste conto na verdade (exceto pela breve aparição de uma espécie de governanta que é quem a joga dentro do quarto) –é enclausurada dentro de um quarto fechado, onde deve orar em penitência.
Entretanto, seus impulsos sexuais se revelam mais poderosos quando ela percebe ser incapaz de controlar seus instintos eróticos e eles passam a infiltrar-se em suas orações, manifestando-se na forma de alucinações sexuais que envolvem apetrechos religiosos, santos e até mesmo as hortaliças servidas a ela como refeição (!).
Após sucumbir ao êxtase, a jovem foge para o campo num ato de contestação –mas, não deixa de encontrar complicações bem mundanas...
De forma bastante surpreendente e chocante para os padrões morais do expectador comum, o diretor Walerian Borowczyk escancara neste episódio o atrevimento profano em contraponto à incontornável necessidade do sexo.

O terceiro episódio, “Erzébet Báthory”, se passa em 1610, quando uma pequena aldeia na Hungria se vê submetida aos desejos insaciáveis da Condessa Báthory (Paloma Picasso) que, dentre as moças do lugarejo, seleciona as mais belas e puras.
Levadas ao seu castelo, as jovens são despidas de suas roupas, e mantidas limpas para a realização de seus estranhos prazeres.
Cenas explícitas de banho são o forte deste episódio, uma verdadeira aula de voyeurismo cinematográfico.
Em algum ponto, a beleza de suas súditas parece embriagar a condessa que num determinado momento se junta a elas. Ela tem seus andrajos rasgados e, por um instante, é mais uma mulher nua em meio à tantas. As jovens então parecem tomadas de uma insanidade que as fazem brigar por pedaços esfarrapados do vestido que Báthory antes usava. Esse estado de selvageria se dá pouco antes de seu sacrifício –omitido de forma elíptica. A condessa, de uma crueldade notória, então banha-se no sangue das jovens. Ao fim, sua amante de fato e aquela única que tinha seu apreço e seu amor era a jovem cavalariça (Pascale Christoph) que acompanhou todo esse ritual.
Numa forma de compensar o trágico destino das jovens aldeãs, a moça trai Báthory após uma noite de amor e acaba denunciando-a para os soldados do rei que a levam.

O quarto episódio, “Lucrezia Borgia” acompanha, em 1498, uma visita da jovem (e deliciosa) Lucrécia Bórgia (Florence Bellamy), ao seu pai, o Papa Alexandre VI (Jacopo Berinizi) e seu irmão, o Cardeal Cesare.
Os Bórgia têm uma relação incestuosa que vai se revelando insaciável a medida que, paralelamente, a narrativa nos mostra as vãs tentativas de denunciá-los, feitas pelo dominicano Girolamo Savonarola (Philippe Desboeuf), em sermões exacerbados e críticos.
Não adianta. Savonarola é preso e levado pelas autoridades enquanto que o incesto perpetrado pelos Bórgia leva ao nascimento do filho de Lucrécia –recebido pelo Papa com festejo.
Como no segundo episódio, este último também carrega ainda mais intensamente num viés profano que, ironicamente, parece ser uma fonte de entusiasmo para o diretor justamente por seu caráter de ousadia, embora ele nunca recorra ao sexo explícito. Com efeito, Borowczyk se despe completamente de questionamentos morais, o que aparenta ser, em parte, a proposta desta realização.
Elegante, ele evita os excessos que poluem a obra de Tinto Brass, por exemplo, obtendo aqui um trabalho visualmente belíssimo, fluido e fascinante na justaposição curiosa e audaz de fantasias sexuais por vezes extremas manifestadas ao lado de algumas de suas mais contundentes formas de repressão.

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