Responsável por algumas das mais notáveis e
incisivas observações de pulsões sexuais já vistas no cinema (como os
desestabilizadores “Le Bête” e “Atrás dos Muros do Convento”), Walerian
Borowczyk realiza aqui uma espécie de compêndio das inclinações pervertidas do
ser humanos, distribuídas em quatro episódios impregnados da vivacidade
maliciosa e sugestiva que dá às suas obras um sabor tão desigual.
No primeiro deles, “Le Marée”, um casal de
adolescente segue por uma estrada idílica à beira-mar, na Europa rural. Ambos
são primos. A moça é desejável, porém, o rapaz não lhe atribui qualquer elogio
ou gentileza; ele é de uma rudeza que parece refletir a autoridade dos que
pensam saber muito sobre aqueles que ainda não aprenderam.
Não deixa de ser essa a dinâmica machista que
Borowczyk constrói: Ao som da quebra onipresente das ondas, ele irá inicia-la
nos prazeres do sexo oral!
O segundo episódio, “Therese Philosophe”,
parece se passar no Século XIX. Dominada por pensamentos libidinosas, a jovem
protagonista (Charlotte Alexandra, linda) –a única personagem a aparecer neste
conto na verdade (exceto pela breve aparição de uma espécie de governanta que é
quem a joga dentro do quarto) –é enclausurada dentro de um quarto fechado, onde
deve orar em penitência.
Entretanto, seus impulsos sexuais se revelam mais
poderosos quando ela percebe ser incapaz de controlar seus instintos eróticos e
eles passam a infiltrar-se em suas orações, manifestando-se na forma de
alucinações sexuais que envolvem apetrechos religiosos, santos e até mesmo as
hortaliças servidas a ela como refeição (!).
Após sucumbir ao êxtase, a jovem foge para o
campo num ato de contestação –mas, não deixa de encontrar complicações bem
mundanas...
De forma bastante surpreendente e chocante para
os padrões morais do expectador comum, o diretor Walerian Borowczyk escancara
neste episódio o atrevimento profano em contraponto à incontornável necessidade
do sexo.
O terceiro episódio, “Erzébet Báthory”, se
passa em 1610, quando uma pequena aldeia na Hungria se vê submetida aos desejos
insaciáveis da Condessa Báthory (Paloma Picasso) que, dentre as moças do
lugarejo, seleciona as mais belas e puras.
Levadas ao seu castelo, as jovens são despidas
de suas roupas, e mantidas limpas para a realização de seus estranhos prazeres.
Cenas explícitas de banho são o forte deste
episódio, uma verdadeira aula de voyeurismo cinematográfico.
Em algum ponto, a beleza de suas súditas parece
embriagar a condessa que num determinado momento se junta a elas. Ela tem seus
andrajos rasgados e, por um instante, é mais uma mulher nua em meio à tantas. As
jovens então parecem tomadas de uma insanidade que as fazem brigar por pedaços
esfarrapados do vestido que Báthory antes usava. Esse estado de selvageria se
dá pouco antes de seu sacrifício –omitido de forma elíptica. A condessa, de uma
crueldade notória, então banha-se no sangue das jovens. Ao fim, sua amante de
fato e aquela única que tinha seu apreço e seu amor era a jovem cavalariça
(Pascale Christoph) que acompanhou todo esse ritual.
Numa forma de compensar o trágico destino das
jovens aldeãs, a moça trai Báthory após uma noite de amor e acaba denunciando-a
para os soldados do rei que a levam.
O quarto episódio, “Lucrezia Borgia” acompanha,
em 1498, uma visita da jovem (e deliciosa) Lucrécia Bórgia (Florence Bellamy),
ao seu pai, o Papa Alexandre VI (Jacopo Berinizi) e seu irmão, o Cardeal
Cesare.
Os Bórgia têm uma relação incestuosa que vai se
revelando insaciável a medida que, paralelamente, a narrativa nos mostra as vãs
tentativas de denunciá-los, feitas pelo dominicano Girolamo Savonarola
(Philippe Desboeuf), em sermões exacerbados e críticos.
Não adianta. Savonarola é preso e levado pelas
autoridades enquanto que o incesto perpetrado pelos Bórgia leva ao nascimento
do filho de Lucrécia –recebido pelo Papa com festejo.
Como no segundo episódio, este último também
carrega ainda mais intensamente num viés profano que, ironicamente, parece ser
uma fonte de entusiasmo para o diretor justamente por seu caráter de ousadia,
embora ele nunca recorra ao sexo explícito. Com efeito, Borowczyk se despe
completamente de questionamentos morais, o que aparenta ser, em parte, a
proposta desta realização.
Elegante, ele evita os
excessos que poluem a obra de Tinto Brass, por exemplo, obtendo aqui um trabalho
visualmente belíssimo, fluido e fascinante na justaposição curiosa e audaz de
fantasias sexuais por vezes extremas manifestadas ao lado de algumas de suas
mais contundentes formas de repressão.
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