Historicamente, o clássico de John Ford, “No
Tempo das Diligências”, se passa alguns anos após a Guerra de Secessão. O Velho
Oeste, no entanto, oferece aos homens um outro tipo de guerra. O desbravamento
do Oeste –em especial, a região fronteiriça com o México –mantem as cidades
erguidas pelos pioneiros em polvorosa com homens de rápido gatilho e temperamento
quente. Honrando uma certa tradição de um ingênuo e preconceituoso cinema da
Velha Hollywood, o filme de Ford também estabelece a tensão constante
acarretada pela luta contra os Apaches –os personagens experimentam um temor
insolúvel pelos selvagens que, apesar de quase nunca aparecerem, são menções
constantes na narrativa.
É assim um mundo bem definido e admiravelmente
caracterizado este que cerca a solitária diligência que John Ford leva a cruzar
uma atribulada pradaria. Dentro da diligência, além do cocheiro Buck (Andy
Devine) e do delegado Curley (George Bancroft, num papel que, mais tarde, se
tornou especialidade de John Wayne), que faz questão de acompanha-los, estão
sete personagens brilhantemente distintos e astutamente bem caracterizados: A
esposa grávida de um capitão da cavalaria, Lucy (Louise Platt); um jogador
inveterado e ex-combatente dos confederados que se envolve na viagem para
proteger a dama, Hatfield (John Carradine, de "Vinhas da Ira"); um banqueiro desconfiado e amoral
tentando fugir com o dinheiro do banco (e da petulância da esposa), Sr.
Gatewood (Berton Churchill); o hilário e beberrão ex-médico local, Sr. Boone (o
ótimo Thomas Micthell, vencedor do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, e
intérprete do pai de Scarlett O’ Hara em “E O Vento Levou”); uma ex-prostituta
injustamente expulsa do vilarejo pelas senhoras de boa conduta, Dallas (Claire
Trevor); o revendedor de uísque da região –e, por isso mesmo, alvo de grande
atenção de parte de Mr. Boone –(Donald Meek); e, a partir de um determinado
trecho, um ex-detento foragido, com contas a acertar na cidade para onde a
diligência vai, o jovem Ringo Kid (John Wayne).
Nessa proposta de justaposição de classes, Ford
conduz a envolvente dinâmica que segue entre os membros da diligência, na
tentativa não muito sucedida de superar suas diferenças. A diligência surge na
narrativa assim como um palco onde os atores estão dispostos a fim de defender
habilmente seus personagens. Dentre eles (todos competentes, é importante
frisar), nenhum se destaca mais do que Thomas Mitchell e o ainda John Wayne
–não foi à toa que a partir deste filme, Ford e Wayne estabeleceram a parceria
que viria a gerar inúmeras outras seminais obras no gênero.
A minúcia de seu trabalho é conduzida com tal
zelo que ele sequer necessita de expedientes mais óbvios para enredar o
público: A única (e até esperada) cena de ação –quando, por fim, os índios
encontram a diligência e a perseguem –ocorre pouco antes de seu desfecho.
Ainda assim, John Ford é
esperto o bastante para não negligenciar seu público: Após seu tenso e
fenomenal filme habilmente restrito no cenário ambulante da diligência, ele
estende um pouco mais a trama após a chegada de seus personagens ao seu
destino; será lá que ocorrerá o ajuste de contas entre Ringo Kid e seu nêmesis
–um dos grandes duelos do faroeste conduzido pela excelência de um mestre.
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