quinta-feira, 11 de abril de 2019

No Tempo das Diligências

Historicamente, o clássico de John Ford, “No Tempo das Diligências”, se passa alguns anos após a Guerra de Secessão. O Velho Oeste, no entanto, oferece aos homens um outro tipo de guerra. O desbravamento do Oeste –em especial, a região fronteiriça com o México –mantem as cidades erguidas pelos pioneiros em polvorosa com homens de rápido gatilho e temperamento quente. Honrando uma certa tradição de um ingênuo e preconceituoso cinema da Velha Hollywood, o filme de Ford também estabelece a tensão constante acarretada pela luta contra os Apaches –os personagens experimentam um temor insolúvel pelos selvagens que, apesar de quase nunca aparecerem, são menções constantes na narrativa.
É assim um mundo bem definido e admiravelmente caracterizado este que cerca a solitária diligência que John Ford leva a cruzar uma atribulada pradaria. Dentro da diligência, além do cocheiro Buck (Andy Devine) e do delegado Curley (George Bancroft, num papel que, mais tarde, se tornou especialidade de John Wayne), que faz questão de acompanha-los, estão sete personagens brilhantemente distintos e astutamente bem caracterizados: A esposa grávida de um capitão da cavalaria, Lucy (Louise Platt); um jogador inveterado e ex-combatente dos confederados que se envolve na viagem para proteger a dama, Hatfield (John Carradine, de "Vinhas da Ira"); um banqueiro desconfiado e amoral tentando fugir com o dinheiro do banco (e da petulância da esposa), Sr. Gatewood (Berton Churchill); o hilário e beberrão ex-médico local, Sr. Boone (o ótimo Thomas Micthell, vencedor do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, e intérprete do pai de Scarlett O’ Hara em “E O Vento Levou”); uma ex-prostituta injustamente expulsa do vilarejo pelas senhoras de boa conduta, Dallas (Claire Trevor); o revendedor de uísque da região –e, por isso mesmo, alvo de grande atenção de parte de Mr. Boone –(Donald Meek); e, a partir de um determinado trecho, um ex-detento foragido, com contas a acertar na cidade para onde a diligência vai, o jovem Ringo Kid (John Wayne).
Nessa proposta de justaposição de classes, Ford conduz a envolvente dinâmica que segue entre os membros da diligência, na tentativa não muito sucedida de superar suas diferenças. A diligência surge na narrativa assim como um palco onde os atores estão dispostos a fim de defender habilmente seus personagens. Dentre eles (todos competentes, é importante frisar), nenhum se destaca mais do que Thomas Mitchell e o ainda John Wayne –não foi à toa que a partir deste filme, Ford e Wayne estabeleceram a parceria que viria a gerar inúmeras outras seminais obras no gênero.
A minúcia de seu trabalho é conduzida com tal zelo que ele sequer necessita de expedientes mais óbvios para enredar o público: A única (e até esperada) cena de ação –quando, por fim, os índios encontram a diligência e a perseguem –ocorre pouco antes de seu desfecho.
Ainda assim, John Ford é esperto o bastante para não negligenciar seu público: Após seu tenso e fenomenal filme habilmente restrito no cenário ambulante da diligência, ele estende um pouco mais a trama após a chegada de seus personagens ao seu destino; será lá que ocorrerá o ajuste de contas entre Ringo Kid e seu nêmesis –um dos grandes duelos do faroeste conduzido pela excelência de um mestre.

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