Em meados de 2009, o ator Felipe Camargo ganhou
uma notável sobrevida em sua carreira –prejudicada, na década anterior, pelos
escândalos do tumultuado casamento com a atriz Vera Fischer –quando participou
da minissérie “Som & Fúria”, de Fernando Meirelles. Antes disso, ele já
havia estado presente neste notável drama urbano de 2005 que contribuiu muito
para público e crítica voltarem a enxergá-lo como o bom ator que é.
Na trama, ele vive Martin, pianista de um bar
noturno cujos dias solitários são preenchidos com um jogo estranho e
tipicamente doentio: Ele escolhe um percurso aleatório nas entrecruzadas linhas
labirínticas do metrô de São Paulo e, durante a viagem, procura por uma bela
mulher que lhe chame a atenção e faça exatamente a mesma rota.
Tal mulher ele não aborda; apenas a segue,
imaginando qual seria seu nome e suas motivações, na esperança de que ela siga
pelo mesmo caminho. Essa mulher, deduz Martin, nessa espécie de ‘jogo de
sorte’, seria então a mulher de sua vida.
No entanto, pela improbabilidade de sua aposta
e pela natureza desolada de sua tática, Martin nunca consegue nada além da
suposições que só o condicionam à solidão da vida na cidade grande.
Em algum momento de suas idas e vindas, ele
conhece três diferentes mulheres que lhe dão certa perspectiva de sua
existência incerta: São elas Tânia (Daniela Escobar), Laura (Julia Lemmertz) e
Ana (Maria Luisa Mendonça).
Com Tânia ele se encontra durante uma crise que
acomete a filha autista dela no metrô. Eles se envolvem, ainda que Martin não
saiba ao certo a convicção de suas intenções com Tânia.
Com Laura, ele se cruza eventualmente e, numa
troca inesperada de palavras, descobre ser ela cega (!) e escritora; as
conversas que ele passa a ter com Laura –embora sempre dissertadas em terceira
pessoa –são uma cada vez mais dolorosa auto-reflexão.
Por fim, ele conhece Ana em meio à uma aparente
fuga dela. Embora atraente, a garota se apresenta no vagão do metrô arredia,
assustada e paranóica.
Envolta em mistério, ela enreda Martin num
relacionamento dúbio e muito nebuloso, alimentado talvez por essa mesma dúvida.
Porém, com o tempo, é exatamente o pouco que sabe a respeito dela que parece
começar a minar a relação.
Baseado num conto do escritor argentino Julio
Cortázar, o filme dirigido por Roberto Gervitz faz lembrar um pouco os
contundentes contos de tormento romântico de Wong Kar-Way na observação
desoladora que tece das trajetórias urbanas. No enredo que busca construir com
uma dispersão que ocasionalmente lhe prejudica, o roteiro assinado por Jorge
Durán e pelo próprio Gervitz justapõe o protagonista sozinho e deprimido às
mulheres que lhe oferecem facetas distintas no entendimento da vida –Tânia,
junto da filha, lhe sinaliza com uma vida em família pronta da qual Martin só
se sente maduro o suficiente para arcar quando já é tarde demais; e isso leva a
própria Tânia a rejeitá-lo. Laura (simbolicamente cega como a própria Justiça)
é a consciência, o anjo que verifica a bússola moral em seus atos e o demônio
que aceita os excessos em suas escolha; e com o tempo, Martin se descobre capaz
de nortear os próprios julgamentos sem precisar das palavras dela. Já, Ana (a
única personagem da qual a narrativa se permite tanta atenção quanto Martin) é
o indivíduo perdido que reflete o seu próprio desespero.
Uma acompanhante de luxo –atividade que ela,
por razões óbvias, reluta em revelar à Martin e, por consequência, ao
expectador –ela aos poucos vai fornecendo, ao longo da trama, informações que
nos permitem saber as circunstâncias tumultuadas nas quais ela adentrou a
história (possibilitando assim a entrada em cena da personagem vivida pela
sempre estonteante Maitê Proença). Ana também é o único personagem além de
Martin que se ocupa de uma espécie de jogo onde parece enganar a si mesma: Ela deseja
voltar (ou fugir) para um lugar de sua infância, Porto Desejado, sobre o qual
ela ouviu dizer, sem muita certeza, e do qual ninguém tem qualquer informação
–ou confirmação da existência.
O cenário urbano, que
predomina na maior parte do filme, surge convertido quase numa prisão que
oprime esses dois perplexos protagonistas, Martin e Ana. Daí o metrô, a surgir
em sua realidade com a promessa (ou o consolo) do movimento –ainda que, no fim,
não gere nenhum deslocamento de fato, o quê os leva ao jogo subterrâneo (o
sonho) no qual almejam conseguir o que não têm.
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