Houve um tempo em que os Trapalhões eram
verdadeiros sucessos de bilheteria, e isso muito se dava pela forma carismática
com que eles captavam algumas predileções do público e as contextualizavam em
histórias protagonizadas por eles próprios.
Dirigido por J.B. Tanko, realizador de alguns
dos melhores títulos da filmografia deles, este “Os Fantasmas Trapalhões”
trazia duas intenções criativas que não se harmonizavam com perfeição, embora o
público tenha comparecido em massa aos cinemas: De um lado, da parte do diretor
Tanko, que desejava fazer desta uma paródia esperta e referencial aos filmes de
terror (algo realmente inédito até então na filmografia dos Trapalhões) em
especial às produções da Hammer e aos filmes B de Jess Franco –cujas tomadas de
castelos soturnos e de ambientação barroca, guardadas as proporções, fazem, de
fato, lembrar um pouco aquelas obras; de outro lado, da parte de Renato Aragão
(que além de interpretar Didi também era produtor e co-roteirista), ancorar uma
produção não somente no carisma dos quatro personagens –Didi, Dedé, Mussum e
Zacarias que já carregavam os filmes há tempos nas costas –mas, também valer-se
de outras célebres presenças de astros do show buziness brasileiro de então. No
caso aqui, temos o falecido apresentador Gugu Liberato, tão importante na trama
quanto os quatro (e atuando em piloto automático) e uma breve (e
constrangedora) participação do grupo Dominó.
Quando o filme começa encontramos o famoso
quarteto numa beira de estrada tentando vender itens de artesanato numa
barraquinha ao personagem, aparentemente de passagem, de Gugu Liberato –que
para não fugir muito do óbvio chama-se, no filme, de Augusto.
As trapalhadas usuais são interrompidas quando
surgem dois carros em perseguição: Num deles, perseguido pelo outro, está
Wilson Grey, famoso ator de clássicos do ‘terrir’ brasileiro (categoria à qual
esta comédia, se não tem pretensão de se incluir, ao menos, tenta homenagear).
Ele é Giovanni, um italiano que, já prestes a morrer, admite ter roubado
milhões de dólares e escondido num castelo. Ele conta à Augusto e aos
Trapalhões que um banco lhes entregará uma justa recompensa se eles devolverem
o dinheiro.
É assim, por meio da mais precária das
justificativas, que o grupo segue até a cidade onde fica o tal castelo,
seguidos de perto pelos mafiosos que perseguiam o velho –cujos propósitos
dentro da trama jamais ficam esclarecidos.
No Albergue Gato Preto, eles se informam do
básico –que o castelo é, claro, assombrado –e conhecem as duas belas atendentes
locais, Leila (a linda Bia Seidl, de “Eu”) e Rute (a voluptuosa Carla Daniel).
A primeira se engraça com Augusto, a segunda com Didi.
Entre uma galhofa e outra, descobrimos que
Augusto é um delegado, e que Rute fez uma espécie de aliança com os sorrateiros
e ardilosos mafiosos para informá-los da situação beneficiando-se de sua
relação com Didi.
No castelo, eles encontram o mordomo Faustino
(Claudioney Penedo), talvez, o mais expressivo vilão do filme –cujo nome,
inclusive, faz uma referência à “Fausto”, o clássico autor de um pacto com as
forças do mal –embora, num filme dos Trapalhões isso não queira dizer muito.
Interessado no dinheiro –que durante anos
procurou sem sucesso –Faustino reluta em aceitar a presença dos cinco
protagonistas no castelo, no entanto, Augusto (que desta vez se diz arquiteto!)
o convence a deixa-los ficar.
Inspecionando o lugar, ele descobrem Nicolas
(Paulo Porto), fantasma do irmão do velho Giovanni, que lhes servirá como uma
espécie de guia espiritual, ou coisa que o valha, aparecendo neste ou naquele
momento para fornecer uma contribuição às vezes bem pífia para a narrativa.
A partir daqui, jamais fica claro quanto tempo
ou em quais circunstâncias se dá a permanência deles ali: O que se segue são
situações que exploram o humor pueril do quarteto, num filme cada vez mais
ciente de que seu público infantil apreciaria o resultado de qualquer maneira,
fosse ele bom ou ruim.
Didi, por exemplo, tem uma atrapalhada disputa
com uma escada que fantasmas invisíveis insistem em lhe tirar sempre que vai
fazer uso dela –um humor quase chapliniano do qual ele beneficiou-se,
empregando ao longo de toda carreira. Já, Mussum, prontamente indo para a adega
em busca de algo para beber se encontra com aparições fantasmagóricas que são
ninguém menos que o grupo Dominó –e tome aí mais uma sequência musical (o filme
tem várias!). Zacarias, num contato com as assombrações, tem os cabelos de sua
peruca todos esbranquiçados (!). E Dedé tem um violento embate com outros
espíritos;
Já, Augusto encontra um quadro onde está a
imagem de Leila; em algum momento, essa imagem cria vida (!) e ela lhe conta
que está para sempre presa naquele quadro numa história pra lá de mal explicada
(O que ela fazia no albergue então? Quem a prendeu? Ela está viva ou está morta?).
Toda a informação que o filme fornece é que
Leila só será libertada por um ‘grande amor’ –e com isso já deduzimos todo o
arco narrativo dela e de Augusto...
Noutra cena, um grupo de supostos fantasmas
–liderados por um pastiche de Frankenstein (!) –faz uma reunião para, junto do
mordomo Faustino, elaborar um meio de eliminar os Trapalhões; são antagonistas
que jamais dizem a que vieram, e mal servem de mote para uma ou duas piadas.
O corpo central de “Os Fantasmas Trapalhões” se
compõem assim de esquetes ingênuos e inofensivos, onde vemos os Trapalhões mais
às voltas com seu próprio e divertido medo do que com fantasmas assustadores de
fato. O desenlace, que traz por obrigação um desfecho para a premissa assim
esboçada, faz com que os tais mafiosos conduzam toda uma quadrilha para o
castelo a fim de confrontar os heróis –e mesmo o porque disso é nebuloso...
Seguem-se cenas de enfrentamento gaiato e
jocoso que lembram alguns momentos da série italiana “Trinity”. Nesse meio
tempo, Augusto é alvejado e, com seu espírito abandonando seu corpo, supõe-se
que ele partiria para o além, agora possibilitado de consumar seu romance com a
amada Leila, entretanto, os Trapalhões armam uma choradeira que leva Nicolas
(subitamente embevecido do dom de ressuscitar!) a trazê-lo de volta.
E tudo então se resolve, sem muito se resolver:
Os bandidos que tomaram uma surra –graças à intervenção divina do grupo Dominó
(!) –ficam lá largados pelos cantos (incluindo, o infeliz Faustino); a relação
dúbia de Rute com os vilões nunca é esclarecida ou justificada (e ela
simplesmente parte com Didi como se nada tivesse acontecido); e nunca ficamos
sabendo quem ou o que Leila era (agora, tornada uma mulher normal outra vez,
ela se enrabicha de Augusto e está de bom tamanho); e o dinheiro acaba não
sendo encontrado (salvo a cena final que revela seu esconderijo no último
momento).
Garantindo um fluxo narrativo competente graças
à sua perícia e experiência, o diretor J.B. Tanko, no seu último trabalho,
realizada um dos primeiros exemplares onde os Trapalhões começavam a
negligenciar a qualidade de suas produções em prol de uma abrangência de público
cada vez maior. Leia-se: Filmes absolutamente amenos, sem conflitos mais
contundentes, sem dramaturgia mais aprofundada e sem nada ofensivos, nem que
para isso os valores enquanto cinema fossem sacrificados.
Pode-se dizer que foi essa
tendência, empregada numa fórmula cada vez mais evidente (e, mais tarde, sem um
J.B. Tanko que lhe desse um devido melhoramento), que levou os Trapalhões a uma
derrocada qualitativa nos cinemas.
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