sexta-feira, 8 de maio de 2020

Tão Longe, Tão Perto

Existem curiosos paradoxos que distinguem o clássico de Win Wenders, “Asas do Desejo” de sua continuação lançada em 1993, cinco anos depois do original –e por conta desses cinco anos de diferença, a Berlim do novo filme já não é mais dividida por um muro (derrubado em 9 de novembro de 1989).
“Asas do Desejo” já se encerrava com a promessa de uma continuação, o que levava a crer que, em termos de planejamento criativo, esta sequência já estivesse nos planos de Wenders e do co-roteirista Peter Handke. Não é o que parece.
“Tão Longe, Tão Perto”, além de já não mais trazer Handke como argumentista, possui um princípio desinteressante e momentos banais que o afastam imediatamente das obras certeiras e tocantes que Wenders engendrou (entre as quais, “Asas...”) e o colocam em meio aos títulos que compõem a fase decadente de seu estilo –que, de fato, ocorreu nos anos 1990.
Como no primeiro filme, o início em preto & branco acompanha a rotina dos anjos capazes de acompanhar, invisíveis, as aflições humanas –entre eles, Raphaela, vivida por Nastassja Kinski, realmente, uma visão celestial!
Cassiel (Otto Sanders, de “O Barco-Inferno No Mar”) era amigo de Damiel (o anjo protagonista do filme anterior interpretado por Bruno Ganz).
E é ele quem, agora, se torna humano. Desta vez, porém, inadvertidamente: Ao tentar salvar uma criança que se precipita de um prédio, ele desobedece as regras que proíbem a interferência direta dos anjos nos desdobramentos das vidas humanas.
O castigo é convertê-lo, ele próprio, num humano.
Com isso, Cassiel reencontra Damiel, agora trabalhando em uma pizzaria e casado com a ex-trapezista Marion (Solveig Dommartin) –numa manobra narrativa que almejava resgatar a magia do filme anterior, mas em vez disso, a faz desbotar.
Em sua jornada agora terrena –e desprovida de um empuxo tão envolvente quanto o de Damiel –o desajeitado Cassiel se vê perseguido por uma espécie de Anjo da Morte (Willem Dafoe) e acaba envolvido nas enrascadas muito mundanas de um traficante de armas e de filmes pornográficos.
Se “Asas do Desejo” era uma história de amor e de separação existencial –onde os anjos e sua destituição de humanidade tinha por metáfora o próprio Muro de Berlim –“Tão Longe, Tão Perto” é uma história de descobertas, de busca por um objetivo muito definida por alguma galhofa e por reflexões poéticas, no entanto, um pouco mais vazias; afinal, foi quase por acaso que Cassiel virou humano e não guiado por sentimentos e anseios que sobrepujavam a comodidade de ser imortal.
O corte original de “Tão Forte Tão Perto” possuía cerca de meia hora a mais; e, talvez, a remoção desse material responda pela fragilidade que acomete a solidez do filme.
A verdade é que a experiência e a desenvoltura de Wenders ainda conseguiram moldar um belo filme (ganhador, por sinal, do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes 1993), de imagens extasiantes, temas e sub-temas riquíssimos em questionamentos existenciais (embora aqui hajam mais personagens do que a narrativa parece suportar) e valores sempre admiráveis de produção (a fotografia é esplendorosa seja à cores ou em P & B, e a trilha sonora tem, pelo menos, uma canção inesquecível, “Stay, Faraway So Close”, do U2), contudo, “Tão Longe, Tão Perto” peca exatamente em se fazer redundante perante todos os elementos que tanto engrandecem “Asas do Desejo”.
Sem um Muro de Berlim para tornar a cidade um eufemismo do afastamento, a saga dos anjos que se convertem em humanos perde sua ressonância –eis, portanto, os paradoxos que afligem a obra de Wenders.

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