Existem curiosos paradoxos que distinguem o
clássico de Win Wenders, “Asas do Desejo” de sua continuação lançada em 1993,
cinco anos depois do original –e por conta desses cinco anos de diferença, a
Berlim do novo filme já não é mais dividida por um muro (derrubado em 9 de
novembro de 1989).
“Asas do Desejo” já se encerrava com a promessa
de uma continuação, o que levava a crer que, em termos de planejamento
criativo, esta sequência já estivesse nos planos de Wenders e do co-roteirista Peter
Handke. Não é o que parece.
“Tão Longe, Tão Perto”, além de já não mais
trazer Handke como argumentista, possui um princípio desinteressante e momentos
banais que o afastam imediatamente das obras certeiras e tocantes que Wenders
engendrou (entre as quais, “Asas...”) e o colocam em meio aos títulos que
compõem a fase decadente de seu estilo –que, de fato, ocorreu nos anos 1990.
Como no primeiro filme, o início em preto &
branco acompanha a rotina dos anjos capazes de acompanhar, invisíveis, as
aflições humanas –entre eles, Raphaela, vivida por Nastassja Kinski, realmente,
uma visão celestial!
Cassiel (Otto Sanders, de “O Barco-Inferno No
Mar”) era amigo de Damiel (o anjo protagonista do filme anterior interpretado
por Bruno Ganz).
E é ele quem, agora, se torna humano. Desta
vez, porém, inadvertidamente: Ao tentar salvar uma criança que se precipita de
um prédio, ele desobedece as regras que proíbem a interferência direta dos
anjos nos desdobramentos das vidas humanas.
O castigo é convertê-lo, ele próprio, num
humano.
Com isso, Cassiel reencontra Damiel, agora
trabalhando em uma pizzaria e casado com a ex-trapezista Marion (Solveig
Dommartin) –numa manobra narrativa que almejava resgatar a magia do filme
anterior, mas em vez disso, a faz desbotar.
Em sua jornada agora terrena –e desprovida de
um empuxo tão envolvente quanto o de Damiel –o desajeitado Cassiel se vê
perseguido por uma espécie de Anjo da Morte (Willem Dafoe) e acaba envolvido
nas enrascadas muito mundanas de um traficante de armas e de filmes
pornográficos.
Se “Asas do Desejo” era uma história de amor e
de separação existencial –onde os anjos e sua destituição de humanidade tinha
por metáfora o próprio Muro de Berlim –“Tão Longe, Tão Perto” é uma história de
descobertas, de busca por um objetivo muito definida por alguma galhofa e por
reflexões poéticas, no entanto, um pouco mais vazias; afinal, foi quase por
acaso que Cassiel virou humano e não guiado por sentimentos e anseios que
sobrepujavam a comodidade de ser imortal.
O corte original de “Tão Forte Tão Perto”
possuía cerca de meia hora a mais; e, talvez, a remoção desse material responda
pela fragilidade que acomete a solidez do filme.
A verdade é que a experiência e a desenvoltura
de Wenders ainda conseguiram moldar um belo filme (ganhador, por sinal, do
Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes 1993), de imagens extasiantes,
temas e sub-temas riquíssimos em questionamentos existenciais (embora aqui
hajam mais personagens do que a narrativa parece suportar) e valores sempre
admiráveis de produção (a fotografia é esplendorosa seja à cores ou em P &
B, e a trilha sonora tem, pelo menos, uma canção inesquecível, “Stay, Faraway
So Close”, do U2), contudo, “Tão Longe, Tão Perto” peca exatamente em se fazer
redundante perante todos os elementos que tanto engrandecem “Asas do Desejo”.
Sem um Muro de Berlim para
tornar a cidade um eufemismo do afastamento, a saga dos anjos que se convertem
em humanos perde sua ressonância –eis, portanto, os paradoxos que afligem a
obra de Wenders.
Nenhum comentário:
Postar um comentário