domingo, 14 de maio de 2017

Eu

Os filmes de Walter Hugo Khouri, um dos grandes autores do nosso cinema, sempre tiveram uma orientação existencialista que o aproximava bastante da angústia reflexiva de realizadores como Ingmar Bergman e, sobretudo, Michelangelo Antonioni. O grande diferencial de Khouri –e como todos os grandes autores ele tinha um –era o fato de seus questionamentos, com efeito, girarem sempre em torno da maneira como essa angústia existencial se manifestava na busca pelo sexo.
O problema foi que Khouri realizou prolificamente muitas de suas obras durante os anos 1980, época do auge das pornochanchadas e de uma permissividade maior por conta da censura, o quê empurrou esses trabalhos cada vez mais em direção ao sexo explícito.
Daí o fato das obras de Khouri serem com freqüência confundidas pelo público com esses trabalhos popularesco e vulgares.
Não ajudava muito o fato desses filmes contarem com o mesmo grupo de atores ou atrizes –e até hoje, críticos rotulam os trabalhos de Khouri como “pornô-freudiano”.
“Eu” é um trabalho que pode servir de exemplo. Seu protagonista é Tarcisio Meira –um dos atores nacionais que tinha a fleuma adequada para levar elegância aos personagens de Khouri –um milionário chamado Marcelo (um alter-ego muito recorrente durante uma ampla e frutífera fase da carreira do diretor).
Marcelo tem tudo, mas sente que não tem nada.
Ainda assim, ele é muito bom em revestir, aos olhos dos outros, essa agonia que o consome, aparentando para os outros a sua volta ser um bon-vivant.
O filme de Khouri, como muitos que ele fez, guarda aspectos incomuns e inusitados, por vezes, sua trama e seus personagens parecem habitar um universo de conceitos muito particulares.
Daí, talvez haver certa espontaneidade no comportamento de sua filha Berenice (a linda Bia Seidl, também ela numa personagem recorrente na filmografia de Khouri), e na maneira com que ela reage –quase com indiferença –quando o próprio pai leva até a luxuosa casa de praia da família, algumas amigas (Monique Lafond, Nicole Puzzi e Monique Evans, todas elas passíveis de aparecerem nuas!) para um fim de semana de farra, a mesma casa aonde ela mais tarde também irá com uma amiga (Christiane Torloni).
É sempre assim, cercado pelas mais belas e insinuantes mulheres, que Khouri costuma deixar seus protagonistas, quem sabe numa forma de dizer ao expectador que o preenchimento de seus desejos mais lascivos não corresponde ao preenchimento do grande vazio que carrega dentro de si. Não que o próprio protagonista se dê conta disso: Numa condução narrativa que dizia muito acerca das inquietações de ordem psicológica e alegórica de Khouri (e que torna a ocorrer em filmes que vieram antes e depois deste), Marcelo abandona todas as mulheres que se mantinham a sua disposição para, no trecho final do filme, mergulhar numa relação incestuosa com a própria filha (!) –e a direção de Khouri trabalha a ocorrência desse incesto com naturalidade, sugerindo ser uma extensão quase prosaica do estado dos personagens (o pai, viúvo e sozinho; a filha, desejável e disponível), ainda que, na cena final, este também não represente qualquer desfecho para o buraco negro de luxúria que consome o personagem.

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