Os filmes de Walter Hugo Khouri, um dos grandes
autores do nosso cinema, sempre tiveram uma orientação existencialista que o
aproximava bastante da angústia reflexiva de realizadores como Ingmar Bergman
e, sobretudo, Michelangelo Antonioni. O grande diferencial de Khouri –e como
todos os grandes autores ele tinha um –era o fato de seus questionamentos, com
efeito, girarem sempre em torno da maneira como essa angústia existencial se
manifestava na busca pelo sexo.
O problema foi que Khouri realizou
prolificamente muitas de suas obras durante os anos 1980, época do auge das
pornochanchadas e de uma permissividade maior por conta da censura, o quê
empurrou esses trabalhos cada vez mais em direção ao sexo explícito.
Daí o fato das obras de Khouri serem com
freqüência confundidas pelo público com esses trabalhos popularesco e vulgares.
Não ajudava muito o fato desses filmes contarem
com o mesmo grupo de atores ou atrizes –e até hoje, críticos rotulam os
trabalhos de Khouri como “pornô-freudiano”.
“Eu” é um trabalho que pode servir de exemplo.
Seu protagonista é Tarcisio Meira –um dos atores nacionais que tinha a fleuma
adequada para levar elegância aos personagens de Khouri –um milionário chamado
Marcelo (um alter-ego muito recorrente durante uma ampla e frutífera fase da
carreira do diretor).
Marcelo tem tudo, mas sente que não tem nada.
Ainda assim, ele é muito bom em revestir, aos
olhos dos outros, essa agonia que o consome, aparentando para os outros a sua
volta ser um bon-vivant.
O filme de Khouri, como muitos que ele fez,
guarda aspectos incomuns e inusitados, por vezes, sua trama e seus personagens
parecem habitar um universo de conceitos muito particulares.
Daí, talvez haver certa espontaneidade no
comportamento de sua filha Berenice (a linda Bia Seidl, também ela numa
personagem recorrente na filmografia de Khouri), e na maneira com que ela reage
–quase com indiferença –quando o próprio pai leva até a luxuosa casa de praia
da família, algumas amigas (Monique Lafond, Nicole Puzzi e Monique Evans, todas
elas passíveis de aparecerem nuas!) para um fim de semana de farra, a mesma
casa aonde ela mais tarde também irá com uma amiga (Christiane Torloni).
É sempre assim, cercado
pelas mais belas e insinuantes mulheres, que Khouri costuma deixar seus
protagonistas, quem sabe numa forma de dizer ao expectador que o preenchimento
de seus desejos mais lascivos não corresponde ao preenchimento do grande vazio
que carrega dentro de si. Não que o próprio protagonista se dê conta disso:
Numa condução narrativa que dizia muito acerca das inquietações de ordem
psicológica e alegórica de Khouri (e que torna a ocorrer em filmes que vieram
antes e depois deste), Marcelo abandona todas as mulheres que se mantinham a
sua disposição para, no trecho final do filme, mergulhar numa relação
incestuosa com a própria filha (!) –e a direção de Khouri trabalha a ocorrência
desse incesto com naturalidade, sugerindo ser uma extensão quase prosaica do
estado dos personagens (o pai, viúvo e sozinho; a filha, desejável e
disponível), ainda que, na cena final, este também não represente qualquer
desfecho para o buraco negro de luxúria que consome o personagem.
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