O curta-metragem “Lady Blue Shanghai” é um corpo pra lá de estranho, não apenas na filmografia autoral do diretor David Lynch, mas também no contexto em que se insere, uma peça de propaganda para a empresa de moda Dior e seu lançamento de então (o curta é de 2010), a bolsa Lady Dior. Pode-se apreender uma certa publicidade tendo essa informação de antemão, entretanto, tudo o mais nesta obra de dezesseis minutos é puramente David Lynch, com seus enigmas surreais a invadir o que parecem ser zonas obscuras da realidade.
“Lady Blue Shanghai” começa com uma mulher (a
sensacional francesa Marion Cottilard, tendo conquistado o Oscar de Melhor Atriz cerca de dois anos antes) chegando num quarto de hotel. De lá, ela
percebe, emana uma música que a deixa imediatamente desconfortável; o quarto
foi, pelo jeito, invadido e o intruso, quem quer que seja, parece ter deixado
uma vitrola tocando uma música. Surgem, então, luzes fantasmagóricas pelo
quarto no instante em que ela tira a agulha do disco.
Há, também, uma bolsa azul que se encontra no
meio do recinto, envolta numa névoa.
Ao queixar-se a respeito da invasão, as coisas
não parecem melhorar: A recepção do hotel envia dois homens –aparentemente
investigadores, ou algo assim... –que lhe fazem algumas perguntas. No entanto,
esse interrogatório não demora a adquirir circunstâncias ainda mais misteriosas
e inesperadas, indicando não só que esses dois homens podem saber mais do que
afirmam (e serem mais do que meros investigadores) como a própria mulher talvez
traga lembranças que vão aflorando e que podem indicar seu envolvimento em algo
nebuloso –pois, gradualmente ela recorda que já esteve lá (em Shanghai!),
embora acreditasse ser sua primeira vez e que, na ocasião, encontrou um homem
naquela mesma cidade.
“Lady Blue Shanghai” esmiúça um estilo que
David Lynch desenvolve como ninguém: O do pesadelo filmado; seus filmes
conseguem suscitar a aura de um sonho que o expectador vivencia acordado, lado
a lado aos personagens principais. Neste curta-metragem tão impecável e
envolvente quanto outros ótimos filmes de Lynch, acompanhamos os percalços
dessa mulher perdida nas ruas de Shanghai às voltas com o que parecem ser
memórias de um romance turbulento com esse chinês misterioso e sua ligação
sempre fragmentada com outra história sugerida em frases enigmáticas (“I Can’t
Be Here!” “I wish i could to be with you!”) e em outros elementos visuais
–alguns ambientes parecem remeter diretamente ao cenário do ‘filme dentro do
filme’ em “Império dos Sonhos” –para então levar essa protagonista a regressar
ao quarto de hotel onde tudo começou, onde Lynch, à sua maneira, conduz ela à
uma espécie de redenção.
Nenhum comentário:
Postar um comentário