A fragmentação da narrativa nunca antes tentada
por diretores mais comerciais é executada com arrojo estupendo por Alain
Resnais em “O Ano Passado Em Marienbad”.
Tão precioso é seu trabalho que a trama ainda
assim preserva aos expectadores mais atentos sua inteligibilidade intacta.
Um hotel. Um casal num nebuloso interlúdio
romântico. Ele (Giorgio Albertazzi) parece tentar convencê-la a deixar o
marido. Ela (Delphine Seyrig), de alguma forma, já o tinha conhecido um ano
antes, no mesmo lugar, embora não consiga guardar uma lembrança do fato. Há uma
urgência que cerca o desenlace entre os dois amantes. As suntuosas acomodações
do hotel recebem cenas que pairam enigmáticas pelas paredes, transmutando-se em
fragmentos de memórias, impressões, pistas ocultas, devaneios particulares, sínteses,
eufemismos.
Não há um fio narrativo ao qual o expectador médio
pode se apegar. Em vez disso, Resnais pontua seu filme por percepções abstratas
e a conclusão perene de que não há outra coisa a fazer, no labirinto da mente,
exceto se perder.
Amparado no que parece ser este repertório
exuberante de diretrizes, o diretor Resnais cria um poema visual pulsante sobre
o fluxo da consciência, abrindo espaço para uma gama infinita de especulações
da parte de seus expectadores: Seria um romance, onde o homem meramente deseja
fugir com a esposa de outro e, ao fim aparente, consegue concluir tal plano?
Seriam, ele e ela, fantasmas a vagar pelos corredores do hotel, mortos pelo cônjuge
dela, que flagrou o adultério? Daí a justaposição perturbadora das memórias, a
atormentá-los no além vida?
Não haveria uma grande e intrincada referência à
Alfred Hitchcock (reparou que ele aparece em uma cena?), por meio da qual,
notamos as facetas de uma aventura de suspense, com suas identidades trocadas e
o enredo rocambolesco a enredar seus personagens?
Poderia ser, talvez, um filme de terror que, ao
transfigurar o suntuoso hotel que lhe serve de cenário, no palco para o trânsito
infinito de aparições fantasmagóricas e miragens enigmáticas, revela-se uma
reflexão poética do tema “casa mal-assombrada”?
Talvez, a grande questão singular deste filme é
que suas infindáveis possibilidades são, todas elas, capazes de se encaixar na
resolução, comprovando também que, nessa amplitude de probabilidades, não há
resolução alguma: Resnais concebeu, ao mesmo tempo, uma armadilha argumentativa
e um comovente desafio à racionalização. Um tratado de cinema estóico e ausente
dos paradigmas comerciais de narrativa e uma desconstrução ingênua de inúmeros
condicionamentos de gênero através dos quais uma história de amor é capaz de se
expressar.
Uma ode ao ato de não se
conformar, sob prismas convencionais, com o ser e o estar.
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