segunda-feira, 29 de maio de 2017

O Ano Passado Em Marienbad

A fragmentação da narrativa nunca antes tentada por diretores mais comerciais é executada com arrojo estupendo por Alain Resnais em “O Ano Passado Em Marienbad”.
Tão precioso é seu trabalho que a trama ainda assim preserva aos expectadores mais atentos sua inteligibilidade intacta.
Um hotel. Um casal num nebuloso interlúdio romântico. Ele (Giorgio Albertazzi) parece tentar convencê-la a deixar o marido. Ela (Delphine Seyrig), de alguma forma, já o tinha conhecido um ano antes, no mesmo lugar, embora não consiga guardar uma lembrança do fato. Há uma urgência que cerca o desenlace entre os dois amantes. As suntuosas acomodações do hotel recebem cenas que pairam enigmáticas pelas paredes, transmutando-se em fragmentos de memórias, impressões, pistas ocultas, devaneios particulares, sínteses, eufemismos.
Não há um fio narrativo ao qual o expectador médio pode se apegar. Em vez disso, Resnais pontua seu filme por percepções abstratas e a conclusão perene de que não há outra coisa a fazer, no labirinto da mente, exceto se perder.
Amparado no que parece ser este repertório exuberante de diretrizes, o diretor Resnais cria um poema visual pulsante sobre o fluxo da consciência, abrindo espaço para uma gama infinita de especulações da parte de seus expectadores: Seria um romance, onde o homem meramente deseja fugir com a esposa de outro e, ao fim aparente, consegue concluir tal plano? Seriam, ele e ela, fantasmas a vagar pelos corredores do hotel, mortos pelo cônjuge dela, que flagrou o adultério? Daí a justaposição perturbadora das memórias, a atormentá-los no além vida?
Não haveria uma grande e intrincada referência à Alfred Hitchcock (reparou que ele aparece em uma cena?), por meio da qual, notamos as facetas de uma aventura de suspense, com suas identidades trocadas e o enredo rocambolesco a enredar seus personagens?
Poderia ser, talvez, um filme de terror que, ao transfigurar o suntuoso hotel que lhe serve de cenário, no palco para o trânsito infinito de aparições fantasmagóricas e miragens enigmáticas, revela-se uma reflexão poética do tema “casa mal-assombrada”?
Talvez, a grande questão singular deste filme é que suas infindáveis possibilidades são, todas elas, capazes de se encaixar na resolução, comprovando também que, nessa amplitude de probabilidades, não há resolução alguma: Resnais concebeu, ao mesmo tempo, uma armadilha argumentativa e um comovente desafio à racionalização. Um tratado de cinema estóico e ausente dos paradigmas comerciais de narrativa e uma desconstrução ingênua de inúmeros condicionamentos de gênero através dos quais uma história de amor é capaz de se expressar.
Uma ode ao ato de não se conformar, sob prismas convencionais, com o ser e o estar.

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