terça-feira, 13 de junho de 2017

Império dos Sonhos

Quando olhamos “Império dos Sonhos” à luz do fato de ser o último filme para cinema de David Lynch –e que assim se manteve nos últimos anos –podemos assim enxergá-lo então como um compêndio e um inventário de toda sua carreira. E, numa primeira análise, não existem muitas maneiras lúcidas de se definir este trabalho de Lynch, que consegue ser ainda mais labiríntico, surreal, desafiador e indecifrável do que os extraordinários “Cidade dos Sonhos” e “A Estrada Perdida”.
Elaborar uma sinopse, então, significa caminhar num terreno pantanoso.
Após uma sucessão de cenas que beiram o incompreensível (em meio às quais aparecem até mesmo os personagens dos curtas, “Rabbits”, de Lynch, que surgirão aqui e ali ao longo deste filme), cuja única referência possível seria o prólogo igualmente desafiador de “Persona”, de Ingmar Bergman –e que, também ele, representava um inventário da obra pregressa do autor –somos apresentados à personagem vivida por Laura Dern. Uma atriz já estabelecida em Hollywood, mas cuja idade começa a tornar dificultosas as descobertas de bons papéis. Ela recebe a visita de uma mulher estranha (Grace Zabriskie) que lhe narra uma pequena fábula e lhe faz uma espécie de presságio. A fábula: “Um dia o menino quis ver o mundo e, ao sair pela porta, deixou para trás uma sombra. O mal então nasceu, e passou a perseguir o menino para sempre.”
O presságio: Ela obterá o papel que tanto deseja.
Tal papel, a atriz descobrirá mais tarde, é o de protagonista num filme onde seu parceiro de cena (Justin Theroux, de “Cidade dos Sonhos”) é famoso por se envolver com as atrizes com quem trabalha –o quê, eventualmente, vem a ocorrer. O diretor do filme (Jeremy Irons) tem então uma conversa com os dois para dar-lhes uma revelação: Tal filme é, na realidade, a refilmagem de um projeto polonês que jamais foi realmente concluído, pois os comentários diziam tratar-se de uma produção amaldiçoada.
Estaria também o filme que eles próprios estão fazendo amaldiçoado?
Sequer há tempo para se preocupar com essa alternativa: A partir daí, Lynch enreda o expectador e os personagens num pesadelo de duplas identidades e metalinguagem, onde ele visita as mais fragmentadas narrativas usando como fio condutor, quando muito, a perplexidade da personagem de Laura Dern que, aos poucos, vamos percebendo que se trata (ou deve se tratar...) de mais de uma única personagem interpretada pela mesma atriz; assim como também, convulsivamente, Lynch trás a mesma personagem vivida por atrizes diferentes (repare na jovem entristecida e inconsolável que surge no prólogo).
Em se tratando de David Lynch, é também possível estabelecer intermináveis relações entre o conto relatado pela estranha mulher (descrito acima) e a própria premissa oculta no filme.
Contado ao longo de três horas de duração (!) e pontuado por cenas aterrorizantes capazes de fazer qualquer um pular da cadeira (embora não seja um filme de terror no sentido convencional do termo), este trabalho segue inconclusivo, dúbio, desprovido de respostas e esclarecimentos. É um legado bem de acordo com a personalidade de seu realizador e da lembrança que ele pretendia deixar ao mundo: A de uma arte plena de fascínio e potencialmente capaz de desafiar o entendimento de gerações de cinéfilos.

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