terça-feira, 13 de junho de 2017

O Gato de Nove Caudas

Apenas um ano separa esta obra do filme anterior de Argento, “O Pássaro das Plumas de Cristal”, também ele integrante da chamada Trilogia dos Bichos, mas o salto de convicção e aperfeiçoamento do próprio estilo que Argento experimentou aqui fazem parecer ter sido muito mais tempo.
“O Gato...” faz “O Pássaro...” parecer um ensaio básico para o que depois viria (embora o próprio Argento não tenha ficado satisfeito com o resultado). Nesta nova trama, Argento torna ainda mais explícita a sua obsessão para com a condição do voyeur (como num prolongamento mundano de Alfred Hitchcock) e para a reflexão desse estado ao eleger como protagonista um ex-jornalista cego (Karl Malden em ótimo desempenho) transformado pelas circunstâncias numa improvável testemunha de um crime que pode levar as investigações de um jovem jornalista (James Franciscus) à descoberta revolucionária e desconcertante de uma clínica especializada em genética de ponta, abarrotada, por sua vez, de cientistas e outros personagens de atitudes muito suspeitas.
Embora carregado de elementos detalhados e mirabolantes a pontuar os propósitos de sua trama, é sabido que Argento negligenciava deliberadamente o roteiro e sua lógica em prol da construção do estilo e do impacto planejado para as cenas.
Em “O Gato de Nove Caudas” esse choque se dá ainda em contraponto ao fato de um dos protagonistas ser cego: Desprovido, portanto, da capacidade do olhar, o quê para Argento, abre curiosas possibilidades na sua reflexão dos acontecimentos –o personagem de Karl Malden vale-se de táticas mais variadas para a análise dos assassinatos de Argento, dando oportunidade do diretor exercer sua observação compulsiva do ato de matar sobre alternativas ainda mais diferenciadas e radicais –o som diegético; a lembrança num corte abrupto da edição; a conclusão de algo que está no pensamento, mas ainda não se viu materializado na realidade.
A fim de ocultar a identidade de seu assassino o máximo de tempo possível, Argento lança mão de um uso audacioso e provocativo de câmera subjetiva, enfatizando ainda mais sua intenção para a construção de um cinema cujas imagens respondem por si mesmas.

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