terça-feira, 13 de junho de 2017

Uma Mulher, Uma Arma e Uma Loja de Macarrão

Aos poucos, pode-se perceber no cineasta chinês Zhang Ymou um grande apreço pelo cinema hollywodiano e sua inclinação implacável para o comercial.
Se essa tendência se insinuou no ótimo “Flores do Oriente”, mais tarde apresentando-se quase explícita em “A Grande Muralha”, já haviam pistas de tal preferência em trabalhos anteriores, sejam nos filmes que realizou, como “Herói”, “O Clã das Adagas Voadoras” e “A Maldição da Flor Dourada” –cada vez mais propenso a um senso megalomaníaco de espetáculo –seja neste incomum épico ambientado na China Antiga que atreve-se a refilmar a trama de “Gosto de Sangue”, o primeiro trabalho dos Irmãos Coen.
Dessa forma, uma pequena loja de macarrão na China Antiga torna-se palco de uma série de crimes e intrigas: Ciente de que sua jovem esposa o trai, o proprietário encomenda o assassinato dela e do amante por um soldado das milícias imperiais. Entretanto, o soldado mata o marido a fim de roubar-lhe o dinheiro. Perplexo, o amante descobre o corpo julgando que foi obra da esposa, levando diversos qüiproquós e traições a se seguirem.
Não era, nem simples, nem fácil, a tarefa melindrosa e escorregadia que o diretor Zhang Ymou se propôs aqui: Ao criar uma versão chinesa para um clássico do humor negro noir como "Gosto de Sangue", o realizador cai em diversas armadilhas, como a impossibilidade de recriar a complexidade moral e narrativa que torna o trabalho dos Coen tão único, além da percepção intrinsecamente norte-americana (remetendo à ambientação no Texas como parte essencial da construção do clima, e os desenlaces mais violentos se fazendo irmanar à alguns dos mais referenciais faroestes) que eles deram ao seu filme.
Ao tentar transpor isso tudo para um filme seu, e a partir daí vislumbrar uma obra própria, Ymou vale-se de aproveitamentos sucintos e básicos –a poeira típica dos desertos norte-americanos substituídas pelas arenosas pradarias das províncias mais longínquas da China, por exemplo –mas, a característica mais intrigante dessa tentativa de adaptação acaba sendo a forma com que ele dá corpo narrativo ao trecho final (que em “Gosto de Sangue” é um indicativo contundente da genialidade dos Coen) transformando seu filme num estranho suspense sorrateiro pontuado de seqüências nervosas e silenciosas, que ganham inesperado aura de absurdo quando embaladas em sua costumeira e arrebatadora beleza visual.
O estilo bastante desigual que essa mistura termina gerando tem tudo a ver com os Coen, mas Zhang Ymou não parece saber manipulá-lo com desenvoltura.

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