Inúmeros são os filmes de faroeste de teor clássico que norteiam e acabam remetendo à “Seraphim Falls”, uns realizados antes, outros até depois desta produção –o grande problema é que muitos deles também encontram uma forma de serem melhores que o filme dirigido por David Von Ancken (conhecido produtor e diretor do ramo televisivo). A começar temos, logo na sequência que inicia o filme (o personagem de Pierce Brosnan, num ambiente gelado, é alvejado por um bando liderado pelo personagem de Liam Neeson e foge, padecendo de dor e de frio, iniciando uma perseguição que irá perdurar por todo o filme), uma série de momentos que lembram a obra-prima “O Regresso”, realizado por Alejandro González-Iñarritu anos depois deste filme, mas, certamente superior em praticamente todos os quesitos.
Fotografado pelo exímio John Toll (diretor de
fotografia vencedor do Oscar da categoria por “Lendas da Paixão” e por “Coração Valente”), o filme não se isenta de, nesse tenso e envolvente prólogo, emular
sequências do clássico “O Vingador Silencioso”, de Sergio Corbucci, e de “Os Oito Odiados”, de Quentin Tarantino (também realizado posteriormente), todos
eles, faroestes que encontram sua originalidade ao ambientar suas cenas de
embate em meio à neve.
Predominantemente visual, econômico em seus
diálogos (restringidos, em grande parte, às discussões monetárias do bando com
seu contratante, o personagem de Neeson), o roteiro escrito por Abby Everett
Jaques e pelo próprio diretor Ancken nos leva a testemunhar essa perseguição durante
boa parte da trama, sem saber ao certo do porque ela se deflagrou, ou as
motivações mais específicas que levam Neeson a perseguir e Brosnan a tentar
escapar; salvo flashbacks breves que mais sugerem uma explicação mais profunda
vindoura do que explicam de fato.
Há uma confiança deliberada e até estudada na
capacidade dos atores e seus personagens sustentarem o filme, mesmo que sem os backgrounds narrativos de praxe: Liam
Neeson vive, portanto, Carver, personagem norteado pela vingança que, durante muito
tempo, evoca o Capitão Ahab, de “Moby Dick” –um indivíduo assolado pela
necessidade de se vingar, disposto a passar por cima de tudo (ética, obstáculos
humanos, até mesmo aliados ocasionais) a fim de concluir seu intento; mais
propenso à ganhar a simpatia do público (devido ao seu estado combalido durante
boa parte do filme), o personagem de Brosnan é Gideon que, aqui e ali,
demonstra lá seus valores morais, ainda que nunca chegue sequer perto de exibir
características de bom moço. Sem a motivação esclarecida para aquele que caça e
para aquele que é caçado, sobra ao filme de Ancken, contar com a capacidade
destes atores em capturar, com seu carisma, a atenção do expectador.
Não é exatamente o que acontece: Hàbeis em
construir figuras ambíguas (e este parece ter sido um objetivo velado que
ambos, aqui, adotaram em comum), Brosnan e Neeson não vilanizam nem romantizam
nenhum dos dois personagens antagonistas, potencializando ainda mais a
indagação do público –para quem, afinal, torcer?
Tivesse o personagem de Gideon mantido seu
intérprete original (Richard Gere que, ainda na pré-produção, abandonou o
projeto), “Seraphim Falls” talvez até não necessitasse de tais expedientes para
definir ao público quem é seu protagonista e quem é seu antagonista. Da forma
como ficou, isso é incerto, e a capacidade de envolver o público nesse enredo
se torna escorregadia.
Claro que, lá pelas tantas, o esclarecimento
chega na forma de um providencial flashback –nele, descobrimos que Carver foi
um coronel confederado, e que Gideon, o capitão de uma tropa de soldados da
União, tudo isso durante o final da Guerra Civil Norte-Americana (meados de
1865). Numa lamentável tentativa de obter inúteis localizações de possíveis
desertores confederados, os soldados de Gideon invadem a casa da família de
Carver, inadvertidamente incendiando o local e, sem querer, assassinando a
mulher e os filhos dele, que se achavam no local sem ter como sair.
A descoberta desse elo de ligação entre os
protagonistas afunila a tensão para o desfecho, mas, ao mesmo tempo, enfraquece
algumas atitudes testemunhadas antes: Sobretudo, Carver que oscilava entre uma
crueldade estudada e uma apatia quase vilanesca, de repente já não parece não
certo assim de seu ódio e sua sede de sangue contra Gideon.
Curiosamente, o trecho final –que precede o
típico duelo à céu aberto de filmes de faroeste –traz duas aparições de
natureza alegórica a confrontar os dois homens em perseguição: A primeira traz
o veterano Wes Studi (de “Dança Com Lobos” e “Fogo Contra Fogo”) a viver um indígena
de trajes civilizados à beira de uma pequena lagoa no meio do deserto.
Pragmático, ele negocia com Gideon, e depois com Carver, a água preciosa que
está disposto a ceder mediante uma compensação. Tudo aquilo que se almeja, ele
parece dizer, cobra seu preço, inclusive, neste caso, a vingança. A segunda
aparição é de uma certa Madame Louise (vivida por Anjelica Huston) que, tal e
qual uma bruxa, traz magicamente aquilo que ambos precisam para encerrar seu
embate interminável –uma última bala para Gideon, uma pistola para o desarmado
Carver; para ambos, ela oferece um último comentário cínico, reiterando que não
há nada de muito valoroso no mundo que ambos podem acabar deixando.
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