terça-feira, 18 de julho de 2017

Dança Com Lobos

A primeira parte de “Dança Com Lobos”, sucedida na civilização mostra o ‘homem branco’ de maneira desagradável, o lado mais sujo da humanidade: Capturado em meio aos conflitos da guerra (a de Secessão, no caso), o registro é de pessoas relapsas, sujas, quase sempre ocasionadas de um suor incontrolável, cercadas de violência, corrupção e escárnio.
É nesse momento que nos é introduzido seu protagonista John Dunbar (vivido por aquele que vem a ser também o diretor estreante do filme, Kevin Costner), um oficial que devido a um ato desesperado durante o conflito (ele praticamente tenta se matar para que não lhe amputem a perna) acaba sendo condecorado.
Já nesse prólogo se percebe certo maniqueísmo de teor romantizado que constitui a narrativa de Costner –e que, não por acaso, acabou seduzindo os críticos e a Academia de Artes Cinematográficas no início dos anos 1990 –os ‘homens brancos’ são quase sempre feios, desleixados, detestáveis e repulsivos, enquanto que os índios nativos, e sua cultura (como descobriremos mais tarde), são magníficos, exuberantes, altivos e admiráveis.
É com eles, afinal, que Dunbar irá se deparar quando, ao procurar tranqüilidade, ele recebe um posto avançado em território hostil, ainda dominado pelas tribos indígenas. Nesse ponto, a obra de Costner assume outro tom, certamente mais agradável, no qual enfim seu filme se mostra bonito, paisagístico e, no fundo, ecológico; a vida em meio à natureza começa a revelar-se como algo nobre, valoroso e admirável.
Pouco a pouco, Dunbar percebe a presença dos nativos no território onde escolheu isolar-se, e, nos dias que se seguem busca se comunicar.
A metamorfose do próprio Dunbar enquanto personagem caracterizado é, ela própria, exemplo perfeito da postura do diretor: Ele vai deixando a barba mau-cuidada para trás em lugar de um rosto limpo, ganhando as fotogênicas feições do astro de cinema que Costner é.
Conclui-se, portanto, que com o tempo Dunbar vai envolver-se com a vasta tribo local onde criará amizades; um dos membros mais intrigados e fascinados com esse ‘homem branco’ vem a ser Pássaro Esperneante, interpretado com dignidade e excelência por Graham Greene.
Esse maniqueísmo de que falei acima é um recurso usado por Hollywood mais notadamente em histórias de amor (e “Dança Com Lobos” é, sob muitos aspectos, uma história de amor) e, a despeito dos vastos argumentos prós e contra essa postura dramática, Costner construiu com eles um filme sedutor: Não chega e ser surpresa, então, quando o roteiro revela –naquela que, talvez, seja sua manobra mais reprovável –que entre os índios há também (veja só!), uma mulher branca (a formidável Mary McDonnell) que havia sido por eles adotada quando era pequena e teve a família chacinada: Personagem feita sob medida, portanto (como só o cinema de ficção é capaz de fazer), para que o protagonista tenha um par romântico propício para a satisfação da platéia.
Costner também salienta os aspectos dramáticos: Há elementos de sobra a se interpor entre o personagem principal e sua busca por paz e tranqüilidade e, sobretudo, ele enfatiza o inevitável temor de Dunbar, de que “Os homens brancos estão chegando!”, como forma de ratificar seu lamento por uma civilização varrida da terra que era sua por direito –ainda que esse lamento soe, em seu filme, como um pouco de auto-promoção.
“Dança Com Lobos” conquistou incríveis 7 Oscars na cerimônia de 1990, um feito e tanto para o filme de estréia de um diretor, e mais ainda se pensarmos que havia pelo menos uma obra francamente superior à ele no páreo –o magistral “Os BonsCompanheiros”, de Martin Scorsese –entretanto, o faroeste de Costner, com sua narrativa à moda antiga e suas belíssimas imagens, certamente foi muito mais ao encontro do tradicionalismo da Academia: Hollywood, em seu pacifismo dúbio, é bem provável, se identificou com a postura tendenciosa do filme de Costner, numa tentativa de se retratar com os índios.

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