sábado, 21 de setembro de 2024

Os Fantasmas Ainda Se Divertem


 Existem complicações inerentes ao fato de se tentar realizar uma continuação de um cult-movie: Primeiro, porque muito provavelmente, as razões que o tornaram cult vão além da mera competência técnica e artística, sendo mais uma conjunção de fatores favoráveis e incomuns; segundo, porque muitas vezes, tal produção pertence à um tempo (anos 1980, no caso) e à um contexto que não se pode reproduzir espontaneamente; e terceiro, porque cult-movies costumam ser encontrados por seu público de uma forma que dificilmente acaba se repetindo.

Embora pertinentes, essas questões se tornam menores diante deste brilhante “Os Fantasmas Ainda Se Divertem”, e tudo isso graças ao nome de Tim Burton atrás das câmeras –ele, que jamais abriu mão de seu estilo ao longo de quase quarenta anos de carreira, entendeu que somente preservando os mesmos elementos que em 1988 fizeram a originalidade palpitante do divertidíssimo “Os Fantasmas Se Divertem” seria possível conceber uma continuação digna e sólida.

E –vejam só! –ele de fato conseguiu: O novo “Beetlejuice” começa mostrando a rotina da personagem de Winona Ryder, Lydia Deetz, que no filme original era uma adolescente: Agora, atriz e personagem estão na idade madura, Lydia possui um programa de TV que, de maneira sensacionalista, explora as capacidades sensitivas que ele descobriu no primeiro filme. Sua filha, Astrid (Jenna Ortega) tem a mesma idade que Lydia tinha na época do filme anterior, no entanto, diferente da mãe, ela faz lá seus esforços para se adaptar –o que leva mãe e filha a terem seus eventuais conflitos, principalmente, porque Astrid não acredita nos dons sobrenaturais da mãe (se ela pode comunicar-se com os mortos, conclui a jovem, então por que nunca conseguiu estabelecer contato com o falecido pai de Astrid?) e disso se ressente. Um acontecimento inesperado acaba por reunir as três gerações de mulheres da Família Deetz –Astrid, a filha, Lydia, a mãe, e Delia (Catherine O’Hara) a madrasta de Lydia –na mesma casa do filme original: Charles, pai de Lydia e marido de Delia, morreu de forma um tanto caricata num acidente de avião (mostrado em animação stop-motion) e seu funeral se sucede na mesma casa, na cidadezinha de Winter River, em que os eventos anteriores ocorreram. O roteiro até que engenhoso de Miles Millar e Alfred Gough consegue assim justificar uma espécie de ausência do personagem outrora vivido por Jeffrey Jones (de “Curtindo A Vida Adoidado”) sem precisar descartá-lo pela força das circunstâncias (em 2002, ele foi judicialmente incriminado de pornografia infantil).

Mas, é claro que, uma vez que toda essa trupe reaparece em Winter River, a estrela principal haveria de dar as caras também: Beetlejuice, a assombração de aluguel, vivido de maneira impagável por Michael Keaton, volta mais uma vez para tumultuar a rotina dos Deetz. Ou não... quando Astrid se mete numa encrenca de proporções literalmente sobrenaturais, Lydia não tem outra escolha senão chamar aquele que ela tentava evitar à todo o custo desde que chegaram –ela pede ajuda ao próprio Beetlejuice que, obviamente, tem lá o seu preço a cobrar: Com uma ex-esposa maligna e sugadora de almas à solta, Delores (interpretada pela italiana Monica Bellucci, atual namorada de Burton) responsável inclusive pela morte de Beetlejuice uns seiscentos anos atrás (!), ele precisa forjar com Lydia o mesmo pacto do primeiro filme, no qual, ao casar-se com ela, ele poderia voltar ao mundo dos vivos. No encalço de Beetlejuice, de Delores e de todo esse pessoal, está ainda Wolf Jackson (Willem Dafoe, hilário) um ator morto, tão convicto do personagem que morreu interpretando que, mesmo no além, ainda age como um detetive –e é obedecido por subalternos como se fosse um!

Tim Burton está, portanto, afiadíssimo em “Os Fantasmas Ainda Se Divertem”, levando todos esses personagens, e muitos outros mais à interagir incessantemente numa trama de idas e vindas vertiginosas, possivelmente, a melhor mescla de comédia pastelão e homenagem macabra ao terror que Burton conseguiu urgir nas últimas décadas.

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