São poucos os filmes que representam um marco tão contundente a ponto do cinema se dividir entre antes e depois dele. A adaptação de Stanley Kubrick para “The Sentinel”,, de Arthur C. Clarke, é um desses filmes. Na verdade, chamá-lo de adaptação soa redundante: Kubrick, na realidade, encomendou o roteiro à Clarke, um conceituado escritor de ficção científica ao estilo hard (aquela que leva em conta todas as considerações científicas, tecnológicas, sociais e humanas de fato, abrindo ligeiramente mão da fantasia), de maneiras que “2001”, tanto o roteiro para cinema quanto o romance, foram escritos simultaneamente.
“2001” é, em linhas gerais, a história da
própria raça humana, os momentos cruciais em que um lampejo imprevisto e misterioso
levou nossa espécie a algum salto evolucionário –certamente, esse conceito é o
único em comum, a entrelaçar os quatro estupendos capítulos que dividem sua
narrativa. O primeiro e talvez mais referenciado deles, chama-se “A Aurora do
Homem”, e nele acompanhamos criaturas que custamos a acreditar serem meros
atores maquiados e vestidos como símios primitivos –tamanha é a excelência
empregada por Kubrick e sua equipe técnica nos quesitos de maquiagem, e tal é o
esmero na encenação realística dos macacos que toda essa impressionante
sequência convence qualquer um de que é real. É uma tribo de primatas em algum
lugar da Pré-História. Seu dia-a-dia norteado por instinto os leva a procurar
por comida, fugir de predadores e, num determinado ponto, entrar em atrito com
outra tribo pela disputa da preciosa água de um pequeno lago. Eles perdem e
precisam se refugiar noutra caverna à espera da inevitável perúnia da sede e da
desidratação. Entretanto... algo acontece! Ao amanhecer, algo surgiu do mais
absolutamente nada em frente à todos eles. Um monolito negro, diferente de tudo
que aqueles olhos selvagens já enxergaram. Certamente, oriundo de qualquer
origem que não seja daquela natureza terrestre –assim é, imediatamente, a
conclusão a que chegamos, como expectadores do presente, ao constatar o
designer simétrico e perfeito daquele monolito, tão em contraste com o resto do
ambiente (sublinhado pela música tensa e aflitiva de György Ligeti) que sua
visão chega a infectar a cena.
Algo acontece quando os primatas tocam o
monolito: Nos dias que se seguem, o líder deles tem um vislumbre onde descobre
a utilidade mortal de um osso. Agora, os pré-humanos têm armas com as quais
podem reclamar a posse do lago outra vez. E matar seus inimigos. E prevalecer.
À essa sequência, já ela impressionante,
segue-se outra (o primata arremessa o osso para o alto, e num dos cortes mais
antológicos do cinema, Kubrick converte a arma em uma espaçonave orbital)
fazendo um salto temporal de séculos e dando início ao segundo capítulo (“AMT-1”
que, diferente dos demais, não é introduzido por um letreiro): Agora, os humanos
chegaram ao espaço sideral e muito dos primeiros minutos desse trecho se ocupa
de mostrar (em efeitos especiais práticos espantosos para a época) o ser humano
a lidar com os efeitos da gravidade zero. A água não é mais problema –como
Kubrick mostra nos copos cheios durante a cena da reunião –mas os homens ainda
seguem em embates uns contra os outros. Desta vez, a disputa (ainda que velada
e civilizada) é por informação; o protagonista deste trecho, o Dr. Heymood R.
Floyd (William Sylvester, de “Com 007 Só Se Vive Duas Vezes”), sabe de algo
confidencial que seus interlocutores estão ávidos por descobrir. Esse segredo
diz respeito, uma vez mais, ao misterioso monolito negro –ele ressurgiu, agora,
na superfície da lua, e os cientistas envolvidos nessa ainda infrutífera
pesquisa acreditam ser ele a resposta para a angustiante pergunta: Estamos
sozinhos no universo?
O terceiro capítulo (“Missão Júpiter”) traz um
grupo de astronautas num missão imponderável: Seguir até as imediações das luas
de Júpiter, local para onde o próprio monolito negro emitiu um misterioso sinal
de rádio. Lá uma expedição espacial a bordo da nave Discovery espera encontrar
respostas. Todavia, os humanos, antes disso, se deparam com seus próprios
contratempos; o computador da nave, HAL-9000, assolado por inesperados
inconformismos humanos se descobre negligenciado pelos ocupantes da nave (Keir
Dullea e Gary Lockwood) que desejam desligá-lo devido à uma série de estranhos
erros. Na certeza de que é a missão que deve ser salvaguardada (e não as vidas
humanas!), HAL procura matar um a um, todos os tripulantes da nave!
Esse pequeno conto de suspense tecnológico
inserido dentro da narrativa épica de Kubrick se encerra quando começa o quarto
e último capítulo, “Júpiter e Além do Infinito”, no qual Dave, o único
astronauta sobrevivente, aquele vivido por Keir Dullea, chega nas imediações de
Júpiter, e se depara com o monolito negro. E este trecho é, todo ele, um pouco
mais complicado de se explicar.
Kubrick vislumbrou uma sequência de imagens
atordoantes que trazem elementos passíveis de serem interpretados como
fragmentos de informação, ao mesmo tempo que servem como possibilidades
infindas para toda a sorte de interpretação, e até este momento, “2001-Uma
Odisséia No Espaço” ganhou inúmeras. O que faz de seu desfecho desafiador um
enigma cinematográfico a ser apreciado e estudado por gerações de cinéfilos.
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