segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Gotcha! - Uma Arma do Barulho


 É provável que, em 1985, o diretor Jeff Kanew tenha se descoberto farto do humor besteirol com o qual precisou conduzir seu sucesso adolescente do ano anterior, “A Vingança dos Nerds” (também com Anthony Edwards no elenco). Isso explica porque “Gotcha!”, apesar de seu tema juvenil, mal visita os elementos corriqueiros do gênero preferindo um viés que agrega mais seriedade, suspense e fortes nuances de filme de espionagem –facetas que devem ter pego de surpresa alguns expectadores daquela época, até porque, o próprio filme, por seu apelo, sua premissa e seu trabalho de marketing sugere um descompromisso e uma descontração muito maior.

Jovem de uma universidade norte-americana, Jonathan Moore (Edwards, um ano antes de viver o melhor amigo de Tom Cruise em “Top Gun”) se diverte com alguns colegas participando de um jogo muito comum nos campus universitários dos anos 1980, o Gotcha! –termo em inglês que pode ser traduzido para “Te Peguei!” –no qual basicamente, armados de uma pistola de tinta ao estilo paintball, os jogadores devem alvejar uns aos outros nas dependências do local (hoje em dia, tal modalidade jamais seria aceita em escolas norte-americanas, sobretudo, após acontecimentos severamente trágicos envolvendo armas e estudantes nos EUA registrados em filmes como “Elefante” e no documentário “Tiros Em Columbine”). Em outros momentos, como qualquer adolescente daqueles tempos que se preze, Jonathan lamenta sua incapacidade de arrumar uma garota e perder a virgindade; numa dessas ocasiões, enquanto chora as pitangas no ombro do amigo Manolo (Nick Corri, de “Predador 2”, mais tarde assinando como Jsu Garcia), eles acompanham uma aula onde o professor explica procedimentos veterinários nos quais animais de grande porte, como um tigre, são anestesiados com uma pistola de dardos tranquilizantes. Contudo, as chances de Jonathan podem aumentar consideravelmente: Ele e Manolo estão prestes a ir para a Europa, menos pela justificativa turística (com escala em Paris e depois Espanha), e mais pela oportunidade de flertar com as jovens européias. E acaba sendo realmente em Paris que Jonathan encontra, num café, a misteriosa Sasha Banicek –Linda Fiorentino que, na década seguinte, revelaria enorme potencial com o neo-noirO Poder da Sedução”, aqui estranhamente caracterizada com androginia em roupas longas e folgadas e cabelo curto estilo Joãozinho, muito longe da sensualidade que se esperaria de uma personagem assim. Isso porque Sasha, a despeito de corresponder aos tímidos avanços de Jonathan, de terminar com ele na cama (!), e agraciar o rapaz, de uma hora para outra, com uma série de encontros tórridos, deixa bem claro (ao menos para nós, expectadores) que, em seu encalço, virão muitas encrencas. Ela convence o jovem a abandonar a ideia de ir à Espanha com Manolo para, em vez disso, ir à Berlim, na Alemanha, com ela –vamos lembrar que, naquele período, com a Guerra Fria em seu auge, Berlim ainda se achava dividida pelo muro, sendo que seu vigiado Lado Oriental, denominado A Cortina de Ferro, guardava inúmeros perigos na forma de agentes da KGB espreitando nas sombras. E é justamente para o Lado Oriental que Sasha arrasta Jonathan alegando que seu trabalho é meramente como uma mensageira.

Após uma série de idas e vindas –nos quais os personagens podem ser vistos sendo perseguidos por homens misteriosos e cenários que acabam lembrando muito a ambientação desolada de “Possessão”, de Andrzej Zulawski, também ele filmado no Lado Oriental de Berlim –os caminhos de Sasha e Jonathan parecem se separar: Ela some não sem antes advertí-lo para tentar partir de Berlim e voltar para casa, no entanto, homens misteriosos (liderados pelo ameaçador Klaus Löwitsch, de “A Cruz de Ferro”) não deixam de tentar capturá-lo, mesmo já em solo americano. Ao que tudo indica, Sasha plantou algum item muito importante entre suas coisas, algo que talvez seja o enigmático rolo de filme que ele encontrou em sua mochila. Tomado por paranóia, ainda que não de todo injustificada –agentes aparecem revirando seu apartamento! –Jonathan procura ajuda da CIA só para descobrir que Sasha, na verdade, trabalha lá (!). Ao que tudo indica, ela (que é, na verdade, uma agente americana!) aproveitou-se dele para conseguir levar o rolo de filme até os EUA, livre do jugo inclemente dos homens da KGB, entretanto, esses homens surgem então no campus a fim de caçar ela e Jonathan. Contudo, agora eles estão no território dele, onde ele pode dispor inclusive da mesma pistola de jogar Gotcha –agora munida dos dardos tranquilizantes mostrados no início –para neutralizar seus adversários.

Apesar do esforço presente em sua narrativa, o diretor Kanew não consegue desvencilhar-se do fato de que “Gotcha!” é essencialmente uma aventura adolescente –ele pode empregar comédia em doses quase microscópicas, pode valer-se da ambientação predominantemente européia para criar uma atmosfera completamente distinta e, na maior parte do tempo, exercitar uma tentativa de fazer suspense (sem maiores profundidades, ou mesmo, conhecimento de causa) e cinema sério, ainda assim, é impossível para o público pensante esquecer que seu protagonista é um garoto que mal atingiu os dezoito anos –e que é, portanto, todo um filme de aventura ginasiana aquele que o cerca. Essa estranha intenção de não corresponder ao próprio gênero a que pertence que parece levar “Gotcha!” a desperdiçar as inúmeras oportunidades de se fazer um passatempo mais divertido incorporando, em lugar disso, uma pouco apropriada seriedade que o faz mais sisudo, mais modorrento e mais apático que seus pares da mesma época.

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