O documentário de Alan Oliveira é o registro do advento, ascensão e fim de uma era, por meio das pessoas que a vivenciaram. Por meio de relatos que soam inicialmente triviais –e cuja captura informal atropela algumas informações mais didáticas –somos conduzidos ao ano de 1976, o início de um fenômeno que estendeu-se pelo mundo inteiro, mas cujo microcosmos a representar tais desdobramentos, veremos, vem a ser um negócio tímido e improvisado, surgido ao sabor de amizades e preferências em comum de pouco mais que três pessoas. O empresário e pioneiro Ghaba foi um entusiasta da cinefilia que, ao lado da esposa e da futura sócia, montou um pequeno cineclube nos subúrbios de São Paulo.
Logo, o empreendimento cresceu com a adesão de
mais e mais interessados em assistir aos filmes que ele obtinha em fitas de VHS
muitas vezes contrabandeadas e/ou copiadas de originais estrangeiros –a moda
dos videocassetes da época começava a tomar conta da classe média e as pessoas
queriam acesso a filmes que antes só podiam conferir exclusivamente no cinema
(pelo curtíssimo tempo de exibição no circuito, isso aqueles que vinham para o
Brasil em tempos de ditadura) ou na TV (anos, às vezes, décadas depois de seu
lançamento, e com intervalos comerciais!). O que era então para ser uma prática
simplória, sem pretensões e restrita ao nicho cinéfilo começou a crescer
exponencialmente, obrigando Gabha e sua equipe a arcar com um acervo cada vez
maior (a demanda por novos itens crescia indicando a prosperidade latente do
negócio) e um estabelecimento adequado (o fluxo de clientes já não era
suportado pelo apartamento que ele tinha alugado), cunhando com o tempo o termo
‘locadora’: Assim surgia a Omni Video, a primeira locadora de filmes de São
Paulo e talvez de todo o Brasil.
A medida que a narração dá conta da trajetória
iniciada por Ghaba (já falecido na época da realização deste documentário,
2017), outras personalidades vão surgindo na forma de apaixonados por cinema
que enxergaram também na gênese das videolocadoras um negócio onde poderiam
unir lucro comercial com satisfação cultural –como a proprietária da mais tarde
gigante 2001 Video, uma das locadoras (e depois loja on-line) mais influentes do Brasil. Os depoimentos dão conta dos percalços
enfrentados nos primeiros anos, da prontidão com que as locadoras conseguiram
satisfazer o anseio por cinema de um público que havia sido privado, por tanto
tempo, do contato com obras essenciais da sétima arte, e da gradual e lenta
legislação de uma prática que então não existia –os primeiros filmes foram
comercializados com cópias ilegais, os chamados alternativos, até que em meados dos anos 1980, a Sony e outras
grandes distribuidoras internacionais tomam a iniciativa de legalizar os
proprietários de locadoras e todo seu acervo (que àquela altura era
considerável) substituindo as cópias ilegais (o termo filme pirata surgiu só
mais tarde) pelas então chamadas ‘fitas seladas’.
A CIC Video foi pioneira na negociação de todo
um repertório vasto de obras em VHS que finalmente trouxeram mais qualidade aos
consumidores. À ela, seguiu-se inúmeras outras, inclusive com um trabalho de
marketing cada vez mais poderoso a transformar alguns lançamentos em
verdadeiros fenômenos do homevideo. O surgimento de críticos especializados –o
célebre e saudoso Rubens Ewald Filho marca presença! –e de revistas voltadas
para o circuito comercial de homevideo, mais até do que o circuito
cinematográfico das salas de exibição (como a Video News e a Ver Video), e a
possibilidade que essa nova forma de mídia, o VHS, ofereceu ao resgatar do
esquecimento obras cultuadas de cinema que não apareciam necessariamente nas
listas de clássicos (algumas delas, leitor, lembradas vez ou outra aqui, no Ato Cinematográfico) através de distribuidoras
emergentes que se mantiveram firmes no mercado ao longo dos anos (alguns casos,
até hoje) como a Cult Filmes e a Versátil.
O documentário chega até o final dos anos 1990
registrando a chegada revolucionária do DVD, uma nova mídia de aqueceu o mercado
das locadoras trazendo inúmeras comodidades ao consumidor –ao contrário do VHS,
não precisava ser rebobinado e trazia uma possibilidade de mudança instantânea
de idioma na dublagem com um simples click
de botão, além do pacote usual de melhor imagem e som. No entanto, muitos
proprietários de locadoras não deixam de apontar o aborrecimento com a
proliferação quase descontrolada que a década de 2000 trouxe dos filmes
pirateados –numa ironia do destino, a mesma modalidade que no início serviu aos
propósitos dos proprietários para o nascimento de seu negócio era agora, quase
quarenta anos depois, algo que chegava para prejudicar esse mesmo negócio.
Ainda naquela década, o mercado também testemunhou o surgimento de outra mídia,
o blu-ray, bem mais irrelevante, que
fracassou na tentativa de substituir o DVD com a mesma pomba e circunstância
que o DVD havia substituído do VHS.
À esse período áureo das videolocadoras assim
retratado durante essas quatro décadas segue-se o inevitável declínio, quando a
tecnologia digital cada vez mais acessível e vasta em recursos traz os serviços
de streaming, uma plataforma que levava uma locadora de filmes praticamente
para dentro da casa do consumidor, algo que decretou em definitivo o fim das
videolocadoras, encerrando-as num período de tempo.
Os entrevistados nunca deixam de apontar o
romantismo com o qual as pessoas daquela época foram capazes de enxergar no ato
de frequentar um locadora o prazer táctil de alugar um filme semanalmente para
assistí-lo e então devolvê-lo. Eles observam –não sem uma certa razão e
certamente não sem imensas doses de nostalgia –como foi uma época mágica e
vívida para todos, e como jamais será possível explicar para as novas gerações
(para os quais o videocassete, a fita de VHS, e até mesmo o DVD e o blu-ray são quando muito peças de museu)
o sentimento de trocar ideias e informações num ambiente propício para a
escolha de um filme.
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