Produtor, roteirista e diretor, Sam Esmail (da série “Mr. Robot”) é fascinado em teorias da conspiração; lendas urbanas nas quais o sistema vigente é visto por um prisma de fragilidade e suas fundações podem ruir levando nossa civilização ao colapso pelas razões mais mirabolantes. Se “Mr. Robot”, à sua maneira, versava em torno dessa paranóia (ao menos, a sua primeira temporada), o longa-metragem original da Netflix, “O Mundo Depois de Nós”, adaptado do livro de Rumaan Alam, pega emprestado o mote do seminal “O Sacrifício”, de Andrei Tarkovski (no qual um grupo reunido numa mansão isolada recebe a notícia do fim do mundo), para albergar em sua premissa, as considerações muito particulares (e muito instigantes) de Esmail, sua desenvoltura para narrativas carregadas de suspense e tensão, e seu estilo peculiar de direção (onde planos audazes de câmera exploram ambientes com palpitante virtuosismo) em conjugação com um roteiro sempre inconformista.
O casal Amanda e Clay Sandford (Julia Roberts e
Ethan Hawke) decide carregar os dois filhos para uma casa retirada em Hamptons,
nas proximidades de uma praia. Ou melhor: É Amanda quem toma a decisão, levando
o dócil e concordado marido, e os filhos Archie (o artista australiano Charlie
Evans) e Rose (a garotinha Farrah Mackenzie) à reboque. A casa é elegante e
requintada, alugada via internet por proprietários que Amanda sequer chegou a
conhecer pessoalmente.
Por lá, a família se instala rapidamente, e tão
efusiva é sua distração que nenhum deles, em princípio, nota indícios
(inicialmente sutis) de que algo pode estar prestes a acontecer: O sinal de
Wi-Fi começa a falhar, os celulares já não funcionam com a eficiência habitual,
notícias em rádio e TV dão conta de misteriosos ataques cibernéticos, um homem
em particular (vivido por Kevin Bacon) é avistado abarrotando de suprimentos
sua pick-up no mercado local e a
praia é invadida por um navio petrolífero desgovernado (!).
Sam Esmail vislumbra o cidadão de classe
média-alta em geral, e o norte-americano em particular, na sua inabalável
comodidade capitalista. Completamente ignorante dos elementos que conspiram
contra ele no mundo lá fora. E é, portanto, do mundo lá fora que deve vir os
agentes que haverão de arrancar os Sandford dessa absurda inércia: Na calada da
noite (logo, despertando incontestes suspeitas) eis que bate à porta G.H. Scott
(Mahershala Ali) e sua filha Ruth (Myha’la Herrold, da série “Industry”),
vindos, de acordo com eles próprios, de Nova York, onde ouviram, em primeira
mão, as primeiras notícias alarmantes da crise que se alastra.
G.H. é o dono da casa onde Amanda e Clay estão
hospedados. Ele e a filha são negros, enquanto que os Sandford são brancos. É
por isso, talvez, na visão ferina de Esmail, que Amanda desconfia com tanta
intensidade deles –suas teorias, no início, vão na direção contrária, evitando
crer no apocalypse, e travestindo seu preconceito arraigado como ceticismo
diante do colapso da sociedade.
É mais fácil ter preconceito do que ter fé.
Na cartilha de ordem dramática elaborada aqui
por Sam Esmail, na verdade, o preconceito e a fé surgem como empuxos
antagônicos do ser humano: Um é a presunção do passado; o outro, a aceitação
abnegada do futuro. Um demanda arrogância; outro demanda humildade.
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