No meio cinéfilo existe aquele conhecido termo
chamado “prazer culposo” que define um filme que o expectador gosta muito –ou
pelo menos, nutre um grande carinho –mas, tem vergonha de admitir para as
outras pessoas.
Dentre diversos filmes dessa categoria, talvez,
o mais famoso, o que representa o estado de arte mais pura a que o “prazer
culposo” pode chegar é provavelmente “Top Gun-Ases Indomáveis”.
Uma aventura a um só tempo arrojada e brega
que, nos anos 1980 lançou a carreira de Tom Cruise ao estrelato, “Top Gun” une
um clima único de romantismo e cafonice somado à seqüências de batalhas aéreas
envolvendo caças que impressionam até hoje.
Mesmo seus deslizes técnicos e artísticos (e
eles existem aos borbotões) só servem para ampliar o seu fascínio aos olhos de
seus admiradores que se deleitam com o visual impecável (ainda que datado em
alguns aspectos), com a trilha sonora melodiosa e com os rompantes escandalosos
do herói mimado e seu relacionamento narcisista –travestido de história de amor
–com uma mulher que age menos como uma cara metade apaixonada e mais como uma
babá tentando administrar os caprichos de uma criança.
Seu protagonista é o impetuoso Maverick (Tom Cruise
numa clara evolução de seu papel anterior, o rapaz de “Negócio Arriscado”), jovem
piloto da força aérea incluído, ao lado do melhor amigo Goose (Anthony Edwards
que mais tarde faria a série “Plantão Médico”), no seletivo curso denominado
Ases Indomáveis. O comportamento rebelde e impertinente de Maverick colide com
o piloto mais idolatrado do curso, o arrogante Iceman (Val Kilmer, um
antagonista por quem o personagem principal parece estranhamente obcecado), e ele
ainda se apaixona por uma bela mulher (Kelly McGillis, espetacularmente bem
fotografada), pouco antes de descobrir que ela é uma das instrutoras.
Tais conflitos e tensões muitas vezes acabam
por serem extravasados nos ares, em meio a espetaculares batalhas de caças
aéreos.
Não há muitas dúvidas de que o estrondoso
sucesso obtido nos anos 1980 se deve pelo tratamento estilizado, algo publicitário,
que o hoje falecido diretor Tony Scott (irmão mais novo de Ridley) deu às cenas
de batalha aérea extraordinariamente filmadas (a prodigiosa fotografia é de
Jeffrey Kimball), o real mérito da produção, que ainda arrebatou o Oscar de
Melhor Canção para "Take My Bread Away", do grupo Berlin, uma das
baladas mais populares daquela década.
Em meados dos anos 1990, graças à uma observação
de Quentin Tarantino, “Top Gun” passou também a ser muito lembrado e avaliado
por suas sucintas referências homossexuais que passaram despercebidas por
muitos machões que idolatraram (e ainda idolatram) o filme: Detalhes ocasionais
como a inusitada energia erótica que parece convergir das cenas inusitadas em
que o diretor Scott registra os cadetes na sauna, com seus corpos suados, em
embates verbais (!); elementos quase imperceptíveis como o fato de que a
personagem de McGillis só parece ganhar a atenção de fato do protagonista
quando se veste com as mesmas roupas dos homens; e também o detalhe
(possivelmente um exagero dramático do roteiro que virou pretexto para esses
argumentos) de que, na narrativa, as reações genuinamente emocionais do personagem
principal só ocorrem quando envolvem seu melhor amigo Gooze.
Características até banais
na década de 1980, mas que sob o prisma dos novos tempos transformam-se em uma
curiosidade a mais que vem a justificar a inúmeras revisões que este trabalho
recebeu do público ao longo dos anos, e que faz dele o supra-sumo absoluto a
que os “prazeres culposos” podem chegar.
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