segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Tiros Em Columbine

 


Em 20 de abril de 1999, os EUA vivenciaram um dos episódios mais trágicos de sua história recente: O massacre promovido por dois adolescentes, Eric Harris e Dylan Klebold, contra seus próprios colegas e professores, nas dependências da Columbine High School em Jefferson County, no Colorado.

O filme de Michael Moore, vencedor do Oscar 2003 de Melhor Documentário em Longa-Metragem, centraliza essa tragédia e a toma como ponto de partida, mas não é inteiramente sobre ela; na realidade, pulsando indignação –uma das emoções genuínas que seu realizador expõe –Moore lança no ar a inevitável pergunta –Por que? –ao mesmo tempo que equaciona essa e outras tragédias (o assassinato, ocorrido tempos depois, na localidade suburbana de Flint, de uma garotinha de 6 anos pelas mãos de um menino também de 6 anos com uma arma roubada do tio) com a liberação de armas de fogo nos EUA e seu facílimo acesso a qualquer um por meio de lojas de conveniência.

Não é um assunto simples ou fácil, e Moore jamais o trata dessa maneira –ainda que ele seja notoriamente tendencioso na construção de sua argumentação –evitando ceder ao sentimentalismo melodramático e impondo um contundente senso de sarcasmo que, talvez, torne até mais palatável a apreciação deste documentário com tão problemático tema.

Para Moore, há algo de terrivelmente errado no subconsciente norte-americano, na obsessão do povo por armas, na maneira com que a mídia sensacionalista aborda os revezes do dia-a-dia e despeja, diariamente, violência, ódio e paranóia na mentalidade de seus consumidores, na necessidade quase mercadológica de enxergar as minorias –negros, latinos, orientais, indígenas –como antagonistas assumidos do homem branco, e no temor injustificado de ser atacado a qualquer momento.

Em busca de respostas, Moore volta-se para outros países; afinal, se o motivo para tanta violência são as armas liberadas, ou os índices de desemprego, ou mesmo os programas e filmes violentos, por que o Canadá –país que experimenta todas essas mazelas –não apresenta as mesmas características auto-destrutivas? Se a razão é o longo histórico de massacres e episódios sangrentos dos EUA, porque, ainda assim, os índices na Inglaterra, na Alemanha, no Japão e em outros país igualmente turbulentos em sua História, se mantêm muito mais estáveis e amenos em comparação?

Moore lança mão de discussões acerca do efeito dos filmes no subconsciente dos jovens –inclusive com uma rápida cena de “Matrix”, obra lançada na mesma época da tragédia de Columbine com a qual chegou a ser brevemente relacionada –mas, observa com mais atenção a estranha apatia que domina os jovens expostos à essa cultura de ódio e segregação, e os efeitos atrozes de políticas públicas desiguais sobre famílias de classe baixa americana.

Há uma entrevista interessante e esclarecedora com o rock-star Marilyn Mason, lá pelo meio do filme, ele que foi um dos pivôs existenciais de Columbine, pelo simples fato reconhecido de que os jovens que metralharam a escola ouviam suas músicas. Marilyn com serenidade rebate as acusações afirmando que não influencia jovens americanos mais que o próprio presidente da nação (que, no mesmo dia do ocorrido, havia autorizado um número recorde de bombardeios aéreos em países do Oriente Médio) ou que o ato banal de jogar boliche (passatempo que eles praticavam pouco antes de iniciar a matança).

Michael Moore reserva já quase para seu desfecho a verdadeira cereja do bolo de sua realização: Logo após obter uma declaração da rede de lojas K-Mart de que interromperiam a venda de munições em solo americano, Moore sente-se audacioso o bastante para requisitar uma entrevista com Charlton Heston em pessoa; o astro que representa a maior voz pró-armamentista dos EUA e que realizou controversas  visitas em discursos a favor da posse de armas de fogo em Columbine e em Flint, logo após suas respectivas tragédias.

A entrevista surge corriqueira, com o astro de “Ben-Hur” buscando fornecer as respostas diplomáticas e evasivas de praxe, entretanto, os argumentos de Moore vão se tornando mais e mais contundentes, implacáveis e ácidos até que Heston simplesmente perde a calma (ou a razão, ou ambos!) e abandona a entrevista.

Como todos os demais entrevistados (e como o próprio Michael Moore), ele não soube dar uma resposta clara do porque o povo norte-americano insiste na violência extrema como resposta à suas próprias neuroses. Moore apenas elabora brilhantemente uma série de fatos e estatísticas, na intenção de deixar essa constatação nas mãos da interpretação pessoal do expectador, no entanto, hábil artesão que é, ele se vale, sim, aqui e ali, de espertas trucagens narrativas para colocar-se como o dono da razão (declarações habilmente editadas; detalhes específicos e de efeito dramático ajustados no contexto propício; informações ora omitidas, ora ressaltadas), embora seu filme nunca deixe de ser necessário, urgente e politicamente relevante.

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