Wes Anderson tem uma forma toda especial de mostrar-se a um só tempo contundente, tocante, desconcertante e lúdico em suas narrativas. Essas características normalmente se ressaltam quando ele trabalha com animações. “Ilha dos Cachorros” é seu segundo trabalho dentro desse território, antecedido unicamente por “O Fantástico Senhor Raposo”.
Nele –num reflexo bastante crítico da concepção
de Anderson ao olhar a sociedade moderna –os humanos são menos compreensíveis
que os animais; isso porque os cães não só narram a trama e participam dela
ativamente na maior parte do tempo (com diálogos existencialistas e tudo o
mais), mas também porque tudo se ambienta no Japão, e os personagens humanos
falam somente o idioma de lá, sendo que o filme propositadamente omite as
legendas das passagens em japonês –com exceção, de trechos traduzidos por
intérpretes, legendas pontuais (e raras), e uma única personagem (uma aluna de
intercâmbio) que fala a língua ocidental.
E é curioso notar assim o fascínio e a intransponibilidade comunicativa que o
Japão exerce tanto em Wes Anderson, como em Sofia Coppola (e seu “Encontros e Desencontros”), eles que têm em seu cinema muitas coisas em comum; muito mais
do que apenas a presença de Bill Murray em suas obras –que aliás, aqui aparece
dublando o personagem Boss!
Sendo assim, de modo geral, a trama de teor
político que se descortina ao público é, em grande medida, expressada pelo
ponto de vista dos cachorros: Após uma breve introdução de uma lenda segunda a
qual o Japão –ou mais precisamente a cidade de Megasaki –viu-se polarizado
entre apreciadores de cães e adoradores de gatos, acompanhamos, no futuro, os
cães se tornarem alvo de uma manobra política do prefeito Kobayashi para serem
dizimados, ao levarem a culpa pela disseminação de um vírus.
Os cães são assim exilados numa ilha –a Ilha do
Lixo –e por lá abandonados. Anos depois, um grupo de cães (entre os quais está
o narrador da história) testemunha a chegada de uma aeronave à ilha. Ela trás o
jovem Atari Kobayashi, sobrinho do prefeito, indo atrás do seu cão
guarda-costas, Spots (voz de Liev Schreiber), o primeiro animal para lá
enviado.
Todavia, o paradeiro de Spots não é fácil de
ser encontrado: Tudo indica que (se sobreviveu...) ele foi parar em algum lugar
do extremo oposto da ilha, dominado por um grupo de cães selvagens de hábitos
canibais!
Enquanto Atari tenta chegar lá, auxiliado meio
a contra gosto pelo desiludido vira-lata Chief (voz de Bryan Cranston), as
autoridades de Megasaki preparam uma medida para exterminar de uma vez a
mal-fadada ilha dos cachorros: A fim de abafar a descoberta de que o vírus é
perfeitamente curável (o que torna assim o retorno dos cães para o continente
possível), o prefeito Kobayashi, ignorante da presença do sobrinho por lá, quer
aprovar uma erradicação total à ilha, onde cães-robôs disseminarão um composto
venenoso a partir de wasabi (!) que matará todos os seres vivos que estiverem
lá.
Datado de 2018, é incrivelmente curioso, como
um elemento essencial da narrativa de “Ilha dos Cachorros” remete ao cenário de
2020: O do vírus usado para manipular os anseios da população com fins
políticos e certamente unilaterais.
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