terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Ilha dos Cachorros


 Wes Anderson tem uma forma toda especial de mostrar-se a um só tempo contundente, tocante, desconcertante e lúdico em suas narrativas. Essas características normalmente se ressaltam quando ele trabalha com animações. “Ilha dos Cachorros” é seu segundo trabalho dentro desse território, antecedido unicamente por “O Fantástico Senhor Raposo”.

Nele –num reflexo bastante crítico da concepção de Anderson ao olhar a sociedade moderna –os humanos são menos compreensíveis que os animais; isso porque os cães não só narram a trama e participam dela ativamente na maior parte do tempo (com diálogos existencialistas e tudo o mais), mas também porque tudo se ambienta no Japão, e os personagens humanos falam somente o idioma de lá, sendo que o filme propositadamente omite as legendas das passagens em japonês –com exceção, de trechos traduzidos por intérpretes, legendas pontuais (e raras), e uma única personagem (uma aluna de intercâmbio) que fala a língua ocidental.

E é curioso notar assim o fascínio  e a intransponibilidade comunicativa que o Japão exerce tanto em Wes Anderson, como em Sofia Coppola (e seu “Encontros e Desencontros”), eles que têm em seu cinema muitas coisas em comum; muito mais do que apenas a presença de Bill Murray em suas obras –que aliás, aqui aparece dublando o personagem Boss!

Sendo assim, de modo geral, a trama de teor político que se descortina ao público é, em grande medida, expressada pelo ponto de vista dos cachorros: Após uma breve introdução de uma lenda segunda a qual o Japão –ou mais precisamente a cidade de Megasaki –viu-se polarizado entre apreciadores de cães e adoradores de gatos, acompanhamos, no futuro, os cães se tornarem alvo de uma manobra política do prefeito Kobayashi para serem dizimados, ao levarem a culpa pela disseminação de um vírus.

Os cães são assim exilados numa ilha –a Ilha do Lixo –e por lá abandonados. Anos depois, um grupo de cães (entre os quais está o narrador da história) testemunha a chegada de uma aeronave à ilha. Ela trás o jovem Atari Kobayashi, sobrinho do prefeito, indo atrás do seu cão guarda-costas, Spots (voz de Liev Schreiber), o primeiro animal para lá enviado.

Todavia, o paradeiro de Spots não é fácil de ser encontrado: Tudo indica que (se sobreviveu...) ele foi parar em algum lugar do extremo oposto da ilha, dominado por um grupo de cães selvagens de hábitos canibais!

Enquanto Atari tenta chegar lá, auxiliado meio a contra gosto pelo desiludido vira-lata Chief (voz de Bryan Cranston), as autoridades de Megasaki preparam uma medida para exterminar de uma vez a mal-fadada ilha dos cachorros: A fim de abafar a descoberta de que o vírus é perfeitamente curável (o que torna assim o retorno dos cães para o continente possível), o prefeito Kobayashi, ignorante da presença do sobrinho por lá, quer aprovar uma erradicação total à ilha, onde cães-robôs disseminarão um composto venenoso a partir de wasabi (!) que matará todos os seres vivos que estiverem lá.

Datado de 2018, é incrivelmente curioso, como um elemento essencial da narrativa de “Ilha dos Cachorros” remete ao cenário de 2020: O do vírus usado para manipular os anseios da população com fins políticos e certamente unilaterais.

Para além desse viés visionário, o diretor Wes Anderson ainda criou uma animação emocionante e pertinente, sobre a intolerância, sobre a intoxicante incapacidade de comunicação, e sobre a necessidade fundamental da preservação animal e ambiental.

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