Embora seja inspirado num episódio real –e aí já se vê indícios da inesperada relevância desta graciosa obra –“Beijo 2348/72” é um trabalho fictício muito beneficiado pelo tom de crítica (ainda que jamais despida de humor) sobre os meandros nada compensadores da justiça trabalhista dos anos 1970 (época em que a trama se sucede), pelo timing cômico impecável de Fernanda Torres, pela beleza sempre acachapante de Maitê Proença e, sobretudo, pela revelação um tanto tardia do ator Chiquinho Brandão, falecido precocemente um ano após a realização deste filme, em 1991.
Aqui, Chiquinho exerce brilhantemente um tipo
de humor mais frequentemente associado pelo público à Renato Aragão, o Didi dos
Trapalhões, embora a condução do filme dirigido pelo então estreante Walter
Rogério (mais tarde, realizador do injustiçado e impagável “Olhos de Vampa”)
gradualmente transforme o filme menos na comédia descompromissada que ele
aparentava ser no início e mais numa obra engraçada sim, mas atenta e
consciente dos revezes desiguais a pesar sobre o cidadão médio brasileiro.
O desprendido Nourival (Chiquinho, ótimo no
papel) acaba flertando, de forma meio relutante, com a acanhada Claudete
(Fernanda) num baile de subúrbio. Conversa vai, conversa vem, ela lhe arruma
uma vaga na fábrica de tecelagem onde trabalha, crente de que isso permitirá
que o relacionamento vá para frente. Entretanto, como ocorre a quase todos os
homens do lugar, Nourival cai de desejos pela colega de Claudete, a belíssima
Catarina (Maitê, sempre uma aparição!) que é casada, apesar de certa
reciprocidade para com os avanços atrapalhados de Nourival.
Indignada com seu papel absolutamente
desfavorável nesse triângulo amoroso, Claudete denuncia Nourival, afirmando que
ele e Catarina se beijaram em local de trabalho –o que é contra as leis da
empresa –e chega a servir de testemunha durante a primeira parte da audiência.
E a sucessão de audiências, cada vez mais rumo ao Tribunal Superior do
Trabalho, atravessa todo o filme na forma de um fio narrativo que termina
consolidando sua trama como o flashback que a remonta.
Assim, vemos que Nourival e Catarina são
demitidos por justa causa enquanto o processo –constantemente recorrido por
Nourival, sentindo-se lesado –arrasta-se por anos. É nesse transcorrer de tempo
que o diretor alterna o afetivo e o social com uma mescla de ironia e carinho
pelo protagonista: Por um lado, ele acompanha os anseios de Nourival por
almejar uma esperança de envolvimento com Catarina, a despeito dela ser casada
com o grosseiro Zeca (Miguel Falabella), sempre relegados à inevitável
desilusão; por outro, ele registra o caminho percorrido pelo processo em si
(esmiuçado em encenações que parecem irreais tamanha a burocracia e o
vocabulário empostado e ininteligível discorrido), sempre paralelo à trajetória
de Nourival.
Em algum momento, farta do marasmo de seu
casamento, Catarina procura por Nourival, mas ele há tempos já não mora na
pensão que antes ocupava; o desemprego o levou a virar um morador de rua e,
logo depois, ele está ganhando trocados como catador de lixo. É nesse trecho
que ele reencontra Claudete, agora casada com Alvarino (Ary Fontoura),
supervisor do setor da fábrica onde todos eles trabalhavam. De uma comédia de
despretensiosas características românticas, “Beijo 2348/72” se converte numa
agridoce denúncia da lentidão dos processos trabalhistas no Brasil,
ineficientes em levar a justiça de fato a quem mais precisa dela, o cidadão
comum: Quando finalmente o ganho de causa vai para o ex-operário Nourival,
quatro anos já haviam se passado, tornando irrisória qualquer compensação que
ele poderia usufruir a partir dali –o romance com Catarina, se tinha chances de
vingar, jamais se concretiza (salvo em momentos delirantes do próprio
Nourival), e o emprego, bem como uma certa dignidade, ele já está bem longe de
recuperar, sobrevivendo de sub-empregos; numa das últimas cenas, seu último
encontro com Catarina, sem que ela própria perceba, é vestido de gorila numa
apresentação circense onde posa para fotos junto de crianças.
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