Pouco importa, a um grande e inatingível
diretor como Steven Spielberg, se este ou aquele crítico enaltece ou não a sua
obra. Ao mesmo tempo, um trabalho pequeno e cheio de esforço de um diretor
menor, tão ele passível de receber todas as críticas e dissecações possíveis,
pode apanhar feito “cachorro morto” daqueles que ficam protegidos sob a
impunidade da pecha de “críticos” para destratar um trabalho que já nem tinha
tanta pretensão em igualar-se aos blockbusters do circuito comercial.
Foi mais ou menos o que aconteceu com esta obra
de Walter Rogério (diretor da ótima comédia “Beijo 2348/72”) que, em sua
modesta intenção de imolar alguns gêneros obscuros (filme policial
investigativo, noir, comédia, filme de serial killer e de vampiro) num único
pacote pleno de sabor brasileiro (em particular do subúrbio paulistano), acabou
sofrendo uma rejeição espúria que o arremessou na obscuridade dos filmes
lançados em DVDs, mas, ainda assim, difíceis de se achar.
O expectador deve aceitar o espírito de
auto-paródia que ronda cada uma das cenas e não levar nada muito a sério, caso
contrário, é melhor nem mesmo iniciar o filme.
Oriundo do período da retomada –e, por isso
mesmo, resultado de um cinema executado com poucos recursos e feito na base da
guerrilha, o quê se reflete em uma estética bem suburbana –este trabalho
apresenta uma trama de investigação tão absurdamente calcada em paradigmas de
gênero que as suas manobras narrativas (ao menos durante boa parte de seus dois
primeiros terços) podem ser adivinhadas com facilidade de antemão: O bairro
paulista de Pinheiros é assolado por uma súbita série de mortes atribuídas ao
que a polícia, em sua precariedade de recursos, acredita ser um vampiro.
As vítimas –a maioria mulheres jovens, belas e
de corpo exuberante –são encontradas mortas com um pêssego na boca (!) e com
uma mordida profunda em suas nádegas desnudas (!!).
Um vampiro bem brasileiro, pelo que se pode
perceber!
Com as investigações lideradas pelo delegado
Arthur (Antonio Abujamra) sem encontrar qualquer solução –enquanto novos crimes
vão se somando –um policial (Washington Luiz Gonzáles, terrível) e um fotógrafo
(o ótimo Marco Ricca) unem-se para tentar antecipar os passos do assassino, ou
seja, deduzir quem será a dona da próxima bunda a ser mordida (!), que eles
crêem ser a dançarina de boate Diva Botelho (Christiane Tricerri, que entra
muda –ou, pelo menos, dublando –sai calada e rebola o traseiro durante todo o
tempo).
Aos poucos, a narrativa algo titubeante de
Walter Rogério lança uma atenção toda especial sobre o autor dos crimes
–optando corajosamente em jogar por terra o mistério em torno da sua identidade
e escolher por um caminho distinto –o psicopata Vampa, interpretado por Joel
Barcellos (de "Os Fuzis", "O Segredo da Múmia" e “Rio Babilônia”), morador de um edifício caindo aos pedaços que
vive, ao que parece, junto de uma estranha mendiga (Maura Baiocchi, uma
presença tão psicodélica que chega a ser amedrontadora) que havia o encontrado
ferido e moribundo em meio ao lixo e, graças aos poderes paranormais da macumba
(!) conseguiu reavivá-lo.
São sutis demais as maneiras com que o filme
amarra suas pontas soltas (quando as amarra) e isso pode contrastar –e
passar despercebido –com a maneira escancarada com que os diversos elementos
são apresentados: O final ratifica a sina inapelável de Vampa; a inoperância da
polícia; a irrelevância dos protagonistas e a indiferença de tudo o mais, numa
forma de ressaltar as angústias terceiro-mundistas.
O pecado maior de “Olhos de Vampa” e de seu
diretor, Walter Rogério, talvez tenha sido não o de abraçar uma estética de
incontornável precariedade, ou de se assumir como uma produção B, ou nem
tampouco, de ter seus reais problemas de ordem cinematográfica, como uma
história que jamais explica as origens, motivações e esclarecimentos em torno
justamente de seu cerne –o psicopata que jamais ficamos sabendo, com plena
certeza, se é ou não um vampiro (embora eu acredito que seja uma espécie revisionista
de vampiro), e por que motivos (e por quais meios) acaba fazendo aquelas
vítimas.
Não, o maior pecado do
filme é o de permitir-se popularesco, com suas mulheres nuas, seu estilo
marginal e seu tom achincalhado e vulgar aproximando-se muito do cinema
brasileiro mais despojado dos anos 1980, o quê a produção cinematográfica
nacional, pós-retomada passou a evitar de todas as maneiras possíveis almejando
um novo cinema nacional, mais elegante e mais autoral, negando assim a herança
e o passado da nossa filmografia. Isso levou “Olhos de Vampa” a sofrer uma
espécie de auto-censura da parte do próprio mercado que arcaria com sua
distribuição, mas que terminou numa tentativa de relegá-lo ao esquecimento.
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