O vislumbre de Haneke da psicopatia é um
petardo tão ou mais brutal do que seu poderoso trabalho de estréia, “O Sétimo
Continente”.
É de se imaginar o choque que as platéias da época
experimentaram, ainda sem conhecer as tendências e as obsessões habituais do
diretor, e dele esperando um trabalho convencional, o quê, em quase três décadas
de carreira ele jamais fez questão de fazer.
Benny (Arno Frisch, que ainda faria com Haneke a
primeira versão de “Violência Gratuita” em 1997) é um adolescente de classe
alta européia. Tem conforto, instabilidade, recursos. Nada absolutamente lhe
falta. Ao menos, nada material –como é aquilo que parece o diretor querer
reforçar nesta sua primorosa e inquisitiva análise.
Logo ficam claras algumas obsessões de Benny:
Os vídeos que ele captura constantemente com sua câmera caseira, em geral,
guardam uma quantidade preocupante de cenas de morte, em especial, a de um
porco tendo seu cérebro atravessado por uma pistola de ar comprimido na cena
estarrecedora que abre o filme.
Através de Benny, o próprio Haneke descortina
algumas de suas próprias obsessões, como o interesse paulatino nas tecnologias áudios-visuais
que capturam o olhar e a imagem de modo muito particular (o quê também nos
remete à outra obra sua, “Cachê”).
Sozinho em casa durante todo um fim de semana –quando
seus pais (Ulrich Müle, ator de “A Vida dos Outros”, e Ângela Winkler) saíram
para viajar –Benny aproveita e convida para ir lá uma garota que casualmente
sempre via à porta da videolocadora que freqüentava.
Uma vez reunido um jovem casalzinho debaixo do
mesmo teto, passa longe de ser algum romance os objetivos narrativos de Haneke:
Premeditadamente, e quase desprovido de qualquer indício de dúvida, Benny mata
a jovem fazendo uso da mesma pistola de ar comprimido na cena do porco. E deixa
seu cadáver por lá, durante toda a ausência dos pais, dando continuidade a uma
rotina corriqueira, numa espécie de discreto (e hediondo) ritual comemorativo.
O modo como Haneke e seu jovem ator retratam as
minúcias de reflexões e inflexões do ato de matar refletidas em seu
protagonista, é de uma precisão quase cirúrgica.
Somente quando os pais tomam conhecimento do
ocorrido, a perplexidade instala-se da forma como deveria.
O que se segue então são reações que buscam a lógica,
tentando lidar com uma situação onde a lógica parece ter se perdido. Eles
deliberam. Planejam esconder o cadáver, fazer com que desapareça. Organizam
assim uma viagem, onde irão Benny e a mãe –dentre todos a mais incapaz de
esconder seu iminente ataque de nervos –enquanto o jovem é de uma tranqüilidade
que beira o absurdo.
Ao fim, quando Haneke muito ao seu jeito parece
conduzir o expectador a um desfecho relativamente tranqüilo, ele mostra que Benny
ainda tem algumas surpresas escondidas em seu repertório de crueldades.
O mal absoluto, ao que
parece, não pode ser escondido, contido ou controlado. O mal absoluto, na
cartilha sempre austera e certeira de Haneke, pode prejudicar e infectar
absolutamente.
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