quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

O Farol

 


Como em seu anterior “A Bruxa”, o diretor Robert Eggers não se contenta em realizar um filme de terror simplesmente primoroso; para ele, ramificações reflexivas podem e devem amplificar ainda mais os resultados de tal experiência, alçando-a no processo à condição de arte.

Filmado em amedrontador preto & branco, e razão de aspecto em 1.19:1 (o trabalho de Jarin Blaschke foi indicado ao Oscar de Melhor Fotografia), “O Farol” começa tipicamente bucólico, linear e austero: Em meados do Século XIX, uma enevoada ilha da Nova Inglaterra recebe uma dupla de novos faroleiros em sua troca de guarda. São o jovem Emphraim Wislow (Robert Pattinson) e o veterano Thomas Wake (Willem Dafoe). Há de pronto uma dinâmica conflituosa capturada em meio à rotina que se repete indefinidamente; Thomas é autoritário e vale-se de artifícios de psicologia para impor seus mandos e desmandos ao novato. Wislow se submete; aceita brindar toda a noite com bebida alcoólica mesmo não querendo beber; assume as árduas tarefas braçais enquanto deixa Thomas ser o único a subir no trecho superior do farol –local que ele deseja manter exclusivo para sua presença, numa espécie de adoração à luz –e aguenta, submisso, suas intermináveis conversas fiadas.

Única fonte de informação de Wislow naquele ambiente espartano, Thomas –mesmo que não confiável –relata que seu ajudante anterior sucumbiu à loucura. Como num reflexo desses temores, é justamente a loucura que parece então se abater sobre o perplexo Wislow: Ele avista, nas encostas dos recifes, o que parece ser uma sereia (ou seria só mais uma alucinação?).

No decorrer dos dias e noites incertos que passam por lá –e que caminham, a passos de tartaruga em direção à data em que deixarão a ilha para voltar para casa –coisas estranhas se sucedem (Wislow flagra momentos repulsivos da parte de Thomas; além de estranhas ocorrências sucedidas no instante em que ele se acha literalmente em êxtase a contemplar a luz do farol; gaivotas que parecem investir deliberadamente contra Wislow; lendas locais que dão as caras em delírios aqui e ali; ambos cedem cada vez mais para o alcoolismo), enquanto a relação de Wislow e Thomas vai se tornando cada vez mais problemática, oscilando no humor dos dois indivíduos entre a camaradagem, o ressentimento hierárquico e a franca animosidade. Por conta dessa proximidade, revelações aparecem: Wislow revela ter ido trabalhar lá, longe de tudo e todos, pelo remorso de ter quase praticado um assassinato, enquanto que as bravatas de Thomas se sucedem com tal intensidade que passam a ser contraditórias.

Tão hábil na construção desta atmosfera quanto em seu hoje aclamado longa de estréia, Robert Eggers dedica tempo e zelo aos seus dois protagonistas –os únicos atores em cena –e acompanha com atenciosidade mórbida a degradação de sua já pouco estável relação.

Ao fim, “O Farol” pode ser visto como um estudo cheio de simbolismos e devaneios da personalidade humana diante de circunstâncias de extremo isolamento; na cinematografia de Eggers, essas facetas da opressão à qual os homens impõem a si mesmos –seja por força de suas ideologias, seja por necessidade prática ou senso de dever –podem representar portais para o interior obscuro de seus mais terríveis pesadelos.

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