sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Doida Demais


 O roteiro escrito pelo diretor Sérgio Rezende em colaboração com Jorge Durán (roteirista de “O Beijo da Mulher-Aranha”) parece querer unir expedientes de filme noir, numa trama de indissociáveis características brasileiras, com ênfase no retrato contundente e árido do interior (sobretudo, o nordestino) e a malícia contumaz que apimentava de sexualidade a nossa produção cinematográfica de então.

Avassaladoramente linda, Vera Fischer interpreta Letícia, uma artista plástica dedicada a fazer falsificações de quadros assinados por pintores famosos; e tão sublime é seu trabalho que ela consegue enganar mesmo os especialistas mais atenciosos.

O talento dela –bem como sua irredutível beleza –atraíram a atenção do sórdido e milionário Comendador vivido por Ítalo Rossi (vencedor do Kikito de Melhor Ator Coadjuvante no Festival de Gramado em 1989) que, apesar dos vastos recursos para manipular os outros ao seu redor, é incapaz de consumir seus atuais desejos diante da avançada idade. Resta então fazer certa vista grossa à Noé (José Wilker), seu braço-direito, mais jovem, inescrupuloso e, ao contrário dele, capaz de enredar a irresistível Letícia em seus braços.

Porém, não por muito tempo: Letícia sabe que Noé lhe representa mais perigo do que segurança e pretende deixá-lo –na verdade, ela pretende deixar tudo!

Quando seu sócio (Carlos Gregório) aparece morto, Letícia sabe que Noé irá lhe cobrar cada centavo do dinheiro que lhe emprestou ao longo dos anos –e não a deixará em paz por isso. Sendo assim, ela decide fugir do Rio de Janeiro em companhia do piloto de avião Gabriel (Paulo Betti) que, por sua vez, afastou-se voluntariamente de sua área de ação (o estado do Mato Grosso), por algum tempo, após ter presenciado um assassinato encomendado.

Dessa maneira, com ambos desejosos de empreender uma fuga –e pouco dispostos a confiar um ao outro, os detalhes acerca disso –Letícia e Gabriel partem para as regiões do sertão da Bahia, perseguidos por Noé que, agora dispensado dos serviços pelo Comendador, nada tem a fazer senão depositar toda sua neurose e psicopatia na busca pelos dois amantes.

Embora envolvente –graças absolutamente à presença magnética de Vera Fischer que, além de tudo, tem generosas cenas de nudez, contempladas com avidez pela câmera (a direção de fotografia é de Antonio Luiz Mendes e de Cesar Charlone, este de “Cidade de Deus”) –o filme de Rezende não escapa de lapsos bastante comuns às limitações artísticas e técnicas do cinema brasileiro de seu período. Falta, por exemplo, personalidade ao trabalho executado pelo diretor, especialmente na comparação com obras similares em gênero e proposta que lhe vieram antes e depois.

Há, no entanto, uma certa melancolia inerente às imagens que garante algum atrativo ao filme e à jornada de luxúria, tensão, decepção e desgaste irreversível perpetrada pelo casal protagonista, rumo à uma cena final cheia de ambiguidade e deliberada incerteza –quase que uma recriação da sequência-clímax de “Quando Fala O Coração”, de Alfred Hitchcock. Nela, o diretor Rezende parece mirar em um desfecho nebuloso e dúbio que venha a intrigar o público, mas acerta numa equivocada desinformação com a qual abandona o expectador.

Prova cabal de que, ao tatear caminhos narrativos sem muita clareza, a partir do erro e acerto, o cinema nacional condenava filmes com belíssimo potencial a algumas presepadas.

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