A experiência de filmar –pela primeira vez nos
EUA –sob a atenção severa e abrangente do produtor David O. Zelsnick (em
“Rebecca-A Mulher Inesquecível”) não foi, para o diretor Alfred Hitchcock, tão
ingrata quanto se poderia imaginar: Tendo realizado o enxuto, eficiente e
singelo “À Sombra de Uma Dúvida”, com baixo orçamento e sem intervenções de
estúdio ou produtores, e um projeto que fugia de suas experiências habituais,
“Um Barco e Nove Destinos”, o mestre do suspense sentiu-se confortável para
novamente comandar uma produção maior, com demandas (e ambições) mais exigentes
–e, inclusive, mais uma vez sob a produção de O. Zelsnick.
“Quando Fala O Coração” inicia-se na clínica
psiquiátrica Green Mannors, onde trabalha a Dra. Constance Petersen (Ingrid
Bergman). O local recebe seu novo diretor, o Dr. Edwards (Gregory Peck) que
revela-se muito mais jovem do que sua fama dava a entender.
Com o tempo, o Dr. Edwards busca se aclimatar
ao local ao passo que consegue despertar o interesse afetivo da Dra. Petersen
–e a tradução visual de Hitchcock para a ocupação dele, num lugar especial da
afeição da doutora é, em si, notável e criativa: Um corredor onde sucessivas
portas vão se abrindo.
Aos poucos, porém, a Dra. Petersen assim como
os outros médicos do lugar vão percebendo indícios de que o Dr. Edwards esconde
algo; suas flagrantes inaptidões em questões nas quais teoricamente deveria ser
especialista, suas justificativas pouco convincentes e as reações perturbadas a
objetos brancos não tardam a mostrar que ele, na verdade, sofre de amnésia –e,
sequer é o Dr. Edwards que na realidade morreu!
Entretanto, se ele não é Edwards, quem ele é?
Teria ele próprio matado Edwards?
Já tomada pela paixão (‘ouvindo o coração’ como
incita o título nacional), a Dra. Petersen recusa-se a crer na possibilidade
mais óbvia –de que o personagem de Gregory Peck seja, afinal, o assassino –e o
acompanha numa fuga desesperada. Primeiro, para o Edifício Empire State, em
Nova York; e depois, para a cidade de Rochester onde se refugiam na casa do Dr.
Brulov (o carismático Michael Chekhov), antigo mentor dela, que numa intensa
seção de psicanálise capta os relatos do sonho que o rapaz teve –cujos indícios
subconscientes podem elucidar (e, de fato, elucidam) o que realmente ocorreu.
Nesse trecho, as sequências brilhantemente
oníricas que se seguem (e que continuam impressionantes mesmo nos dias de hoje)
são cortesia da criação artística de Salvador Dali, que dirigiu pessoalmente as
cenas sob instrução de Hitchcock.
No fascínio que demonstra por essas suas
primeiras incursões, temática e visualmente no campo da psicanálise –um tema
que capturou o interesse de Hitchcock cada vez mais –o mestre do suspense acaba
ligeiramente negligenciando certas facetas de sua realização, como o roteiro, a
condução de algumas cenas e certas motivações em determinados personagens. Há,
entretanto, aspectos que se mantêm magistrais: A cenografia, a trilha sonora
(vencedora do Oscar), a fotografia e a atuação do elenco, sobretudo, o casal
protagonista.
Sem falar que há ainda mais um detalhe
brilhante em “Quando Fala O Coração”: Para quem acha que cenas em preto &
branco com intervenção de cores no cinema são novidades trazidas por “A Lista de Schindler” ou “Sin City-A Cidade do Pecado”, a sequência-clímax, onde a
câmera registra um disparo de arma em primeira pessoa, é um take extremamente
breve (porém, perceptível) filmado em cores.
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