Por incrível que possa parecer, em 2005, ainda
não se tinha aquela proliferação de adaptações de histórias em quadrinhos que
vemos no circuito comercial de cinema atual –claro, haviam os filme do Batman
(no caso, “Batman Begins”, primeiro filme da aclamada trilogia de Christopher
Nolan, foi lançado naquele ano), haviam os filmes do Homem-Aranha (a primeira
trilogia, de Sam Raimi, estava no segundo exemplar) e haviam os filmes dos
X-Men (o terceiro, ainda com o elenco original e antes da reformulação em
“Primeira Classe”, sairia só no ano seguinte), além de uma ou outra adaptação.
Ou seja, em 2005, além de não terem se
consolidado como uma tendência do mercado, as adaptações de HQ, ainda tateavam
em busca da linguagem ideal por meio da qual as narrativas da nona arte seriam
transpostas para a sétima.
Êxito já tinha sido obtido, certamente, mas
muita coisa ainda estaria por vir –a Marvel Studios só lançaria “Homem de
Ferro” e iniciaria a construção de sua supremacia em 2008.
Nesse sentido –no de explorar possibilidades
oferecidas nos quadrinhos que ampliassem a experiência cinematográfica em si
–uma das mais notáveis produções a surgir em 2005 foi, sem sombra de dúvidas,
“Sin City-A Cidade do Pecado”, de Robert Rodrigues e Frank Miller.
E não foi para menos...
A idéia no projeto de Rodrigues era adaptar três
histórias extraídas da graphic-novel em preto e branco escrita e ilustrada por
Frank Miller, uma coletânea de histórias de crime ao estilo pulp e noir, e que
a despeito de serem quadrinhos, ignoravam os super-heróis.
Rodrigues foi ambicioso: Sua intenção era
moldar uma adaptação absolutamente fiel em termos visuais e narrativos,
capturando a opção estética das páginas (cujos desenhos apresentam um emprego ímpar
do “chiaroscuro”). Era uma intenção de tal maneira definitiva que sequer há créditos,
no filme, de montagem e direção de fotografia –em lugar disso, aparece nos créditos
iniciais apenas “filmado e montado por Robert Rogrigues”.
Na primeira história, "Cidade do
Pecado", o bruta-montes Marv (Mickey Rourke, fabuloso) jura vingança aos
assassinos da única mulher na vida que teve coragem de fazer amor com ele, a
enigmática garota de programa Goldie (a estonteante Jamie King).
Em seus percalços em busca dessa vingança –e de
um mínimo de significado para o assassinato de Goldie –ele se depara com uma
conspiração que envolve os políticos graúdos de Basin City, assim como um de
seus mais respeitados sacerdotes e um jovem e estranho canibal. Isso tudo
enquanto luta com os fantasmas ilusórios (e enganadores) de sua própria
esquizofrenia.
Na segunda, "A Grande Matança", um
mal-entendido protagonizado pelo foragido Dwight (Clive Owen), pela prostituta Gale
(Rosário Dawson, vulcânica) e pela pequena ninja Miho (a ágil e surpreendente Devon
Aoki) pode por em risco uma trégua milenar mantida entre os policiais e os
moradores de um bairro chamado Cidade Velha.
Na terceira, "O Assassino Amarelo",
acompanhamos o policial Hartigan (Bruce Willis, num papel perfeito para ele)
que sacrifica sua vida, sua carreira e seu casamento para proteger a garotinha
Nancy de um perverso assassino e maníaco sexual (Nick Stahl, fantástico) cujo
fato de ser filho de um senador o torna blindado aos olhos da lei. Após tentar
praticar justiça com as próprias mãos –e de amargar quinze anos na cadeia por
isso –Hartigan deve encontrar Nancy (agora vivida pela bela Jéssica Alba) e
salvá-la das garras desse psicopata.
Assim sendo, com essas três emblemáticas
premissas (nada menos do que três contos extraídos da graphic-novel e
escolhidos a dedo), Rodrigues concebeu essa transposição literal (em tom,
enquadramento de câmera, e paleta de cores) do sensacional e inovador trabalho
do quadrinista Frank Miller, que à propósito foi convidado a dividir com
Rodrigues o crédito de direção: Mais uma prova do objetivo estóico de Rodrigues
em manter-se completamente fiel à fonte de inspiração, uma postura em geral
ignorada por outros realizadores.
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