Uma das forças do cinema é a maneira como se encontra
nele uma válvula para que autores de insuspeita habilidade e perícia possam
discorrer sobre as pulsões morais, psicológicas e emocionais que norteiam (e às
vezes desestabilizam) o ser humano.
Em “A Fonte da Donzela”, Bergman utiliza o
cinema para expor uma questão acompanhada de um comentário pessoal que
dificilmente ganharia mais complexidade se fosse discutido em um texto, ou numa
peça de teatro, ou numa poesia.
Curiosamente, o filme une, em seu rigor formal
–típico de Bergman –todas essas qualidades: É ao mesmo tempo um elaborado
compêndio de observações morais, com encenação marcadamente rígida (Bergman
tinha formação teatral), e não raro pulsa de uma abstração poética que lhe
embriaga do início ao fim.
Não à toa, “A Fonte da Donzela” serviu de
inspiração à uma refilmagem infame promovida por Wes Craven (que pode ter
procurado em Bergman uma forma de propiciar a seu filme uma aura de requinte
que ele, em verdade, não tinha), trata-se do exorbitante, ultrajante e árido “Aniversário
Macabro” –cuja vulgaridade, em contraponto à elegância do filme original, vinha
em face da época em que foi feito, anos 1970, período das exploitations.
Mas, voltemos ao trabalho de Bergman.
Como muitas de suas obras, não é algo exatamente
fácil: A narrativa já começa cheia de rancor quando testemunhamos uma empregada
invocando seus próprios deuses para que eles amaldiçoem a bela jovem, filha do
líder da aldeia, moça de muitas virtudes, o quê inspira profunda inveja na
serviçal.
Numa travessia a cavalo pela floresta, a jovem
de fato encontra um grupo de mal-feitores que a estupram e a matam,
acompanhados por um garoto, uma testemunha espantada de toda a atrocidade.
Mais tarde, Bergman mesclará ironia com
crueldade ao fazer desses mesmos mal-feitores hóspedes aleatórios na casa do
pai da jovem (o grande Max Von Sydow). Uma vez descoberto o crime, ele colocará
em prática um ato irreprimível de vingança e matará sem piedade todos os
membros daquele grupo.
O comentário subliminar que Bergman reserva a
esse fato é que o garoto também é morto, incluído em meio aos criminosos
sentenciados como se fosse um deles –é o diretor sueco vislumbrando uma
perpetuação da violência, através de uma sutil reprovação da justiça pelas próprias
mãos.
O final busca trazer um pouco de lirismo à este
amargo conto de eventuais torções éticas: O corpo da jovem é encontrado e
levado para que sua morte seja devidamente velada, e em seu lugar, brota um
pequeno veio de água pura.
Uma indicação de Bergman de
que, apesar da sordidez que ele se presta a avaliar neste e em outros
trabalhos, o mundo tem sim uma parcela salutar e essencial de pureza, bondade e
transparência.
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