segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

O Homem Invisível


 Haviam dois grandes obstáculos que este novo projeto enfrentava antes mesmo de ver a luz do dia: O primeiro, e mais recente, era o fracasso de “A Múmia”, com Tom Cruise, que emperrou os planos da Universal Studios em criar um universo compartilhado com histórias envolvendo seus clássico ícones do terror (entre os quais estava o plano de uma versão de “O Homem Invisível”, com Johnny Depp); o segundo era a comparação com o formidável “O Homem Sem Sombra”, realizado no fim dos anos 1990 pelo diretor holandês Paul Verhoeven com euforia e alta voltagem. Felizmente, o diretor Leigh Whannell, saído das fileiras do terror independente –e conhecedor, portanto, das minúcias narrativas que movem as engrenagens do gênero –driblou esses contratempos tomando a mais sensata das atitudes: Fazendo um filme muito, muito bom.

A invisibilidade, em “O Homem Invisível”, veja só, é uma mera consequência de sua premissa extraordinariamente sólida e bem construída: O filme de Leigh Whannell é, acima de tudo, a história de Cecilia (a talentosíssima Elizabeth Moss), esposa severamente abusada pelo marido, Adrian Griffin, um cientista pioneiro em pesquisas ópticas. Já de início, na primeira cena, testemunhamos a perplexa e sorrateira tentativa de Cecilia em abandonar o cônjuge abusador na calada da noite –e os predicados de suspense empregados por Whannell descartam a necessidade de uma caracterização maior de seu antagonista que praticamente nunca aparece; na verdade, é até benéfico para a narrativa nunca sabermos ao certo como ou quem Adrian é.

Somos relegados ao ponto de vista de acompanhantes da protagonista Cecilia. Inicialmente, testemunhando sua lenta adaptação ao mundo normal, à realidade, quando tenta vencer o mero medo de andar alguns metros para fora da casa –ela foi hospedar-se na casa do namorado da irmã, James (Aldis Hodge, de “Estrelas Além do Tempo”), que é policial.

Lá pelas tantas, uma notícia: Adrian suicidou-se! Cecilia, que sofreu tanto nas suas mãos que dele espera tudo, não está muito certa de que isso seja verdade; e nos dias que se seguem, acontecimentos estranhos ao seu redor começam a reforçar essa certeza. Entretanto, como toda maldosa e melindrosa assombração, Adrian –que deduzimos de antemão, encontrou um meio de ficar invisível e está torturando ela –se manifesta com tal sutileza cruel que somente Cecilia tem noção de seus atos; aos olhos de todos os outros, incluindo sua irmã (Harriet Dyer), James, a filha dele Sydney (Storm Reid, de “Uma Dobra No Tempo”), além das autoridades, todos os demais personagens a sua volta começam a acreditar que Ceclia pode estar perdendo a razão.

Mais que um filmaço de terror –o que ele também é, visto a condução primorosa de Whannell, e o empregado nunca exagerado, nunca pedante e nunca destituído de propósito de seus efeitos visuais –“O Homem Invisível” é também um filme muito atual na abordagem meticulosa e profunda que faz dos relacionamentos abusivos, um assunto bastante em pauta na busca sempre pertinente por igualdade e justiça para todos.

Na atuação brilhantemente calibrada e estudada de Elizabeth Moss (que leva o filme nas costas sem parecer sentir seu peso) e no roteiro pra lá de competente e relevante (há pelo menos dois momentos em que o filme ameaça terminar sempre tomando um rumo imprevisto e acrescentando novas e magistrais camadas à trama), o filme do diretor Leigh Whannell cria uma das melhores transfigurações de gênero ao acomodar os códigos do terror numa premissa que foca em uma situação aflitiva e muito real como a violência doméstica, seja ela física ou psicológica.

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