Devido à sua fama de ‘rainha das comédias românticas’, sobretudo durante a década de 1990, a presença de Meg Ryan em inúmeros projetos ao longo de sua carreira costumava enganar os expectadores, levando-os a crer que a produção na qual ela comparecia se tratava sempre de um filme romântico agridoce com altas doses de humor, sentimentalismo e previsibilidade –e a própria Meg contribuía com isso fazendo filmes e mais filmes sem parar dentro desse sub-gênero.
“Por Trás Daquele Beijo” até guarda elementos
que poderiam aproximá-lo de uma comédia romântica, embora já em sua campanha de
marketing, lá pelos idos de 1992, tenha ficado claro tratar-se de algo
diferenciado, instigante até. Adaptado de uma peça teatral de Craig Lucas,
roteirizado por ele próprio (o que garante ao filme similaridades criativas
incontestes com sua versão original), o filme dirigido por Norman René
(realizador do célebre drama homossexual “Meu Querido Companheiro”, também
escrito por Lucas) tem lá sua parcela de sacarose, sobretudo no clima de
romance que prevalece no primeiro ato, mas possui propósitos bastante sólidos
para as escolhas que toma e, se não chega a ser um grande filme, tem pelo menos
o mérito de, ao lado do excelente “Cidade dos Anjos”, ser um título desigual e
notável na filmografia de Meg Ryan.
Repetindo o mesmo papel que interpretou (e
muito bem) nos palcos, Alec Baldwin vive Peter, jovem editor que, numa noite
qualquer, conhece a garçonete Rita, personagem de Meg. Insone, beberrona, algo
niilista, mas certamente encantadora, ela se revela fascinante o bastante para
que ele a procure nos dias seguintes. Logo, eles engatam um namoro sério. Ele
conhece os pais dela (vividos por Ned Beatty e Patty Duke), e marcam casamento.
A despeito desse trecho inicial enfadonho e
longo –ainda que preenchido de informações que serão relevantes ao plot mais
tarde –é durante o casamento de Peter e Rita que “Por Trás Daquele Beijo”
oferece sua grande guinada: Durante a cerimônia, um velho penetra aparece
(vivido por Sydney Walker). Ninguém o conhece e, antes de ser expulso da festa,
ele pede apenas oportunidade de dar um beijo na noiva.
Eis que ao beijá-la, o velho troca de mente com
Rita, que vai parar no corpo do idoso. Agora, a mente do homem velho habita o
corpo da garota jovem e recém-casada com lua-de-mel marcada para a Jamaica.
Entretanto, ao longo dos dias, Peter vai percebendo que a pessoa que está agora
casada com ele, não é a mesma que ele namorou esse tempo todo: Rita não bebe
mais, não tem mais problemas para dormir, agora quer ter filhos quando antes
não queria, não possui mais as mesmas inclinações socialistas de antes, nem
fala e age da forma como fazia (!). Embora o corpo ainda seja o mesmo, é outra
pessoa quem agora o habita.
Um elemento curioso do roteiro é justamente não
entregar isso de imediato, deixando que o expectador acompanhe a gradual e
perplexa constatação do mesmo ponto de vista de Peter –o que desde já torna a
minúcia desta resenha um emaranhado de spoilers;
ainda que o filme já seja bastante antigo. O roteiro de Craig Lucas, com essa
opção, valoriza assim os pequenos detalhes, as peculiaridades dos diálogos e a
capacidade de seus intérpretes, como é usual numa peça de teatro.
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