terça-feira, 3 de julho de 2018

Cherry 2000


De um teor tão desigual que só poderia partir mesmo da década de 1980, esta mescla inusitada, curiosa e claudicante entre ficção científica ao estilo “Mad Max”, romance e drama erótico (!), se beneficia, acima de tudo, pela ótima presença de Melanie Griffith, numa personagem durona que chega a ser quase icônica, embora ela não seja a personagem-título.
Cherry 2000 é na verdade uma andróide que simula todas as características de um ser humano. Melhor: Ela simula todas as características de uma mulher perfeita. Bela, desejável, dócil, acessível e sempre no clima para transar (aspectos que a interpretação impessoal da bela Pámela Gidley parece ressaltar).
No futuro, ela é um produto que os usuários compram como um eletrodoméstico (e hoje, nos tempos politicamente corretos que vivemos, jamais caberia a concepção de uma premissa tão descaradamente machista, sexista e grosseira como a deste filme).
Seu proprietário em questão, Sam (o não muito eficaz David Andrews) se vê tão satisfeito em ter Cherry que sequer cogita relacionar-se com uma mulher de carne e osso. Mas, existem contratempos em apaixonar-se por uma máquina (e não estou falando das questões afetivas e metafísicas levantadas no mais recente e espirituoso “Ela”, de Spike Jonze): Ao molhar seus circuitos, Cherry entra em curto (!), e precisa ser substituída por uma réplica se Sam deseja que sua vida doméstica volte ao conto de fadas que era antes.
O problema é que um corpo andróide que tenha exatamente as mesmas características de sua preciosa Cherry não é tão fácil assim de achar: Sam precisa aventurar-se pela arenosa fronteira em busca das peças ideais e dos contatos certos entre os contrabandistas para não resvalar naqueles que representam perigo mortal (entre eles, um caricato e vilanesco Tim Thomerson, de “Trancers”). Para tanto, ele acaba contando com a ajuda de Edith Johnson (Melanie), uma mulher real habituada com a vida pouco civilizada nas imediações daquela terra sem lei.
O filme que já trazia elementos inesperados mesclados com uma percepção inusitada de humor, ao reunir esse incompatível casal protagonista fica ainda mais curioso: Avançando em ritmo de perseguição ao esboçar um mundo pós-apocalíptico que nunca ganha a mesma textura ou a mesma plausibilidade de um “Mad Max”, “Cherry 2000” se permite intercalar por elementos de comédia romântica (!), as únicas características com as quais relacionar os rompantes de imaturidade –sejam na questão do humor, da atração física ou do suspense –que cercam a relação atribulada entre Sam e Edith.
Prova do quão indiscriminado é esse seu abraço ao gênero, “Cherry 2000” até se permite, na meia hora final, todas as passagens clichês onde o protagonista volta atrás em busca da mulher que sempre amou, mas não sabia; aspectos que fazem dele um descerebrado passatempo dos anos 1980, caracterizado por concessões improváveis, por meio das quais os expectadores podem levar a namorada para assistir.

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