De um teor tão desigual que só poderia partir
mesmo da década de 1980, esta mescla inusitada, curiosa e claudicante entre
ficção científica ao estilo “Mad Max”, romance e drama erótico (!), se
beneficia, acima de tudo, pela ótima presença de Melanie Griffith, numa
personagem durona que chega a ser quase icônica, embora ela não seja a
personagem-título.
Cherry 2000 é na verdade uma andróide que
simula todas as características de um ser humano. Melhor: Ela simula todas as
características de uma mulher perfeita. Bela, desejável, dócil, acessível e
sempre no clima para transar (aspectos que a interpretação impessoal da bela
Pámela Gidley parece ressaltar).
No futuro, ela é um produto que os usuários
compram como um eletrodoméstico (e hoje, nos tempos politicamente corretos que
vivemos, jamais caberia a concepção de uma premissa tão descaradamente
machista, sexista e grosseira como a deste filme).
Seu proprietário em questão, Sam (o não muito
eficaz David Andrews) se vê tão satisfeito em ter Cherry que sequer cogita
relacionar-se com uma mulher de carne e osso. Mas, existem contratempos em
apaixonar-se por uma máquina (e não estou falando das questões afetivas e
metafísicas levantadas no mais recente e espirituoso “Ela”, de Spike Jonze): Ao
molhar seus circuitos, Cherry entra em curto (!), e precisa ser substituída por
uma réplica se Sam deseja que sua vida doméstica volte ao conto de fadas que
era antes.
O problema é que um corpo andróide que tenha
exatamente as mesmas características de sua preciosa Cherry não é tão fácil
assim de achar: Sam precisa aventurar-se pela arenosa fronteira em busca das
peças ideais e dos contatos certos entre os contrabandistas para não resvalar
naqueles que representam perigo mortal (entre eles, um caricato e vilanesco Tim
Thomerson, de “Trancers”). Para tanto, ele acaba contando com a ajuda de Edith
Johnson (Melanie), uma mulher real habituada com a vida pouco civilizada nas
imediações daquela terra sem lei.
O filme que já trazia elementos inesperados
mesclados com uma percepção inusitada de humor, ao reunir esse incompatível
casal protagonista fica ainda mais curioso: Avançando em ritmo de perseguição
ao esboçar um mundo pós-apocalíptico que nunca ganha a mesma textura ou a mesma
plausibilidade de um “Mad Max”, “Cherry 2000” se permite intercalar por
elementos de comédia romântica (!), as únicas características com as quais
relacionar os rompantes de imaturidade –sejam na questão do humor, da atração
física ou do suspense –que cercam a relação atribulada entre Sam e Edith.
Prova do quão indiscriminado é esse seu abraço
ao gênero, “Cherry 2000” até se permite, na meia hora final, todas as passagens
clichês onde o protagonista volta atrás em busca da mulher que sempre amou, mas
não sabia; aspectos que fazem dele um descerebrado passatempo dos anos 1980,
caracterizado por concessões improváveis, por meio das quais os expectadores
podem levar a namorada para assistir.
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