Luiz (o ótimo Marcelo Serrado) é o típico brasileiro mulherengo –ou, em última instância, o típico mulherengo que o brasileiro sonha tanto em ser que passa essa impressão para o resto do mundo –ao empreender, abrindo uma casa noturna numa edificação antiga de São Paulo, ele vê diversas mulheres toda noite e muitas (de todos os tamanhos, etnias e personalidades) acabam caindo em seus braços; nenhuma, entretanto, consegue fisgar seu coração a ponto de fazê-lo cogitar seriamente deixar seu interesse por todas as outras.
Essa proeza cabe, na realidade, à doce Malu
(Fernanda de Freitas) que Luiz conhece numa trombada de bicicleta, durante uma
caminhada na orla carioca quando ele resolve passear no Rio de Janeiro.
Ele a ronda por alguns dias e, com o tempo, sua
insistência gera frutos: Malu resolve envolver-se com ele. Trabalhando como
concierge num hotel internacional –e, portanto, naturalmente articulada e
atarefada –Malu divide-se entre a linha Rio/São Paulo a fim de investir no
romance, até que gradualmente passa a morar com Luiz e a dividir sua vida com
ele. No entanto, já no começo, indícios de que as coisas poderiam sucumbir já
apareciam; ele se sentia profundamente incomodado pela forma com que Malu se
mostrava tão radiante e disponível aos seus pegajosos amigos de longa data:
Ciúmes.
Morando juntos, essa suspeita só faz aumentar
–afinal, pensa Luiz, porque Malu seria fiel se, como ele em seus
relacionamentos anteriores, as tentações apareciam? Paranóico, ele vai
colecionando indícios nebulosos que podem ou não comprovar a infidelidade de
que foi vítima. E assim, este conto moderno e criteriosamente sentimental saído
da imaginação do escritor Marcelo Rubens Paiva expõe descaradamente sua mais
clara referência: O fenomenal “Dom Casmurro”, clássico com o qual Machado de
Assis marcou, para todo o sempre, a literatura brasileira. Como naquela grande
obra, vemos os efeitos desfiguradores do ciúme afetar o julgamento já embotado
de um protagonista todo ele dominado por seu receio subjetivo, mas a trama não
se deixa apenar imitar um clássico magnânimo: Ela o usa como sólido precedente
para se posicionar no panorama a que pertence, o dos filmes sobre
relacionamentos modernos; Há amor na relação entre Luiz e Malu, e tão mais há
amor, que ele se deixa corromper pelo medo de perder o que tem. Não ajudam em
nada os amigos que o orbitam com conjecturas inúteis e ditados de botequim; nem
o fato de optar em esconder seus tormentos da namorada, que convive, também
ela, com seus próprios fantasmas.
De certa maneira, o que o diretor Flávio Ramos
Tambellini tenta mostrar é a forma como Luiz enxerga seu próprio passado
cafajeste nas atitudes da atual namorada: Ele vê em Malu as manobras evasivas
que ele mesmo fez quando estava traindo!
No entanto, há de fato alguma razão para nutrir
tal desconfiança? Hábil, a direção, junto ao roteiro, nunca deixam claro,
certos de que daí parte muito da diversão. E nisso, “Malu de Bicicleta” se
destaca dos romances convencionais a pipocar por aí –não está em jogo a consumação
de um romance, mas sim a manutenção dele diante de revezes comportamentais e
pessoais.
O filme também se liberta da referência à “Dom
Casmurro” ao escolher um desfecho real e esclarecedor para os dilemas e dúvidas
do avoado protagonista: Uma prova de que, nas vicissitudes de que somos às
vezes vítimas, nunca deixamos de ser aquilo que somos, para o bem e para o mal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário