quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Cena Mafiosa 2

 


A cena que abre esta segunda parte do épico gangster filmado por Takashi Miike com recursos técnicos peculiares se dá no trecho final do primeiro filme, quando os personagens Takashi (Kazuya Kimura) e Hideshi (Kouichi Iwaki) invadem a cúpula do asqueroso gangster Kenmoshi (Kenichi Endo, de “Operação Invasão 2”) só para flagrar a esposa de Takashi sendo estuprada –logo, tanto “Cena Mafiosa 1” quanto este “2” têm seus inícios pontuados e marcados por uma cena de estupro, bem ao gosto extremo e desconcertante de Miike.

Adaptado de uma história em quadrinhos japonesa (o chamado mangá) de autoria de Hisao Maki, “Cena Mafiosa” não deve ser considerado, e nem com essa intenção foi realizado, como um retrato de quaisquer inclinações realistas da yakuza, a máfia japonesa. Nem poderia, diante da profusão de tiroteios desregrados, conluios sem pé nem cabeça, guinadas abruptas e revelações com um pé no absurdo que ocupam esta segunda parte de maneira ainda mais atordoante que sua já bastante inconsequente primeira parte.

Retomamos a procura dos dois irmãos Takashi e Hideshi por seu outro irmão, o ex-pistoleiro Takeshi Relâmpago (Taishü Kase), depois que este virou alvo da yakuza ao promover um massacre entre chefões. Mas, Takeshi, eles descobrem, enamorou-se. Está junto da amada Rie Ishibashi (Naoko Inoue), junto da qual refugiou-se nas dependências beneficentes de uma Igreja aberta para fins benevolentes. Takeshi deixou o ofício de matador, um tanto quanto incentivado pela revelação de que um dos mafiosos que ele matara numa das cenas mais caóticas e marcantes do filme anterior era, na verdade, seu pai (!).

Além dessa intriga entre os três irmãos, que eventualmente unem-se em seus apuros, a trama traz vários outros personagens –além do chefe vingativo Kenmoshi, há também a madrasta de Rie, a gueixa veterana Chiharu; a mãe senil dos três protagonistas Haruko; e a bela mafiosa Hisako (Yôko Natsuki) que apresenta-se como uma aliada potencial e crucial para o sisudo Hideshi em seu caminho de vingança –numa ramificação bastante característica de um gênero pontuado por alianças e traições sistemáticas, contudo, tais personagens parecem tratados com relativo desprezo pela narrativa de Takashi Miike (de forma ainda mais displicente neste segundo filme que no primeiro), a ele parece mais interessar as percepções mais fisiológicas da traição e da violência (e closes minimalistas das expressões normalmente aflitas de seu elenco) e as consequências mais físicas do que necessariamente existenciais de suas escolhas.

Nesse sentido –embora este filme careça da qualidade mais sólida e inquestionável que ele mostrou em outras realizações –é aqui, mais do que em qualquer outro trabalho que se pode concordar com a pecha de “Quentin Tarantino japonês” com a qual Takashi Miike sempre passou a ser relacionado –ainda que eu prefira acreditar que seja Quentin Tarantino o “Takashi Miike norte-americano”! As características que eles compartilham são inúmeras: Uma predisposição irreprimível e pessoal para a violência e o crime urbano, temperada a uma convulsiva variedade de códigos de gêneros a definir a inúmeras cenas de embate que se seguem.

No desfecho, por exemplo (atingido com uma quantia bastante questionável de elipses informativas, condução narrativa frouxa e até inverossimilhança), vemos Hideshi e Takeshi no limiar de seu acerto de contas quando são colocados numa praia contra um improvável exército de mercenários que parecem saídos de alguma fita de ação pauleira diretamente para homevideo dos anos 1980 (!). Há, em diversas obras de Miike, esses corpos estranhos que parecem sinalizar ao expectador como uma alfinetada ironia aos mal-disfarçados exemplares de canastrice que nos permitimos consumir, entretanto, este “Cena Mafiosa” é um dos primeiros momentos em que vemos Miike temperar essa percepção despreocupada e cínica com um pouco de desleixo também.

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