terça-feira, 20 de junho de 2017

Cidade de Deus

Primorosamente dirigido por Fernando Meirelles, o filme “Cidade de Deus” é a obra inigualável que é (sem sombra de dúvidas, um dos melhores filmes de todos os tempos) graças à capacidade de seu diretor em gerenciar e administrar o talento de específicos colaboradores envolvidos: A co-direção vigorosa de Kátia Lund, a preparação de elenco assombrosa de Fátima Toledo, o roteiro brilhantemente detalhado e minucioso de Braulio Mantovani, a fotografia cheia de imaginação de César Charlone e, aliado a todos esses predicados, a montagem carregada de sensibilidade e alta voltagem de Daniel Rezende.
Todos eles, em conjunto, transformam este filme num trabalho sem igual.
“Cidade de Deus” parte das reminiscências de um único personagem específico, Busca-Pé (vivido na infância por Luis Otávio, e na juventude, por Alexandre Rodrigues), para narrar a transformação da criminalidade na favela da Cidade de Deus desde o fim dos anos 1960 até o começo dos anos 1980 –a cena inicial que mostra o retrocesso no tempo de suas memórias é um exemplo poderoso da técnica cinematográfica de primeiro mundo empregada por Meirelles: Numa seqüência sensacional que lembra o arrojado “bullet time” de “Matrix”, dos Irmãos Wachowski (hoje, irmãs...) vemos a câmera circundar Busca-Pé, e regressar no tempo, rejuvenescendo os atores e transmutando o ambiente a sua volta.
Pelos olhos do perplexo Busca-Pé acompanhamos (entre outros notáveis personagens que vêem e vão) a ascensão e queda de Zé Pequeno (o jovem Douglas Silva, na fase “Dadinho”, e o ótimo Leandro Firmino, quando por fim assume essa alcunha), cruel rei do tráfico, cuja sanha psicopata é responsável por alguns dos mais inacreditáveis momentos do filme, como os confrontos insanos e sucessivos contra Mané Galinha (Seu Jorge, magnífico) e seu comparsa Cenoura (Matheus Nachtergaele) que dominam o explosivo trecho final do filme. O ímpeto narrativo de Meirelles remete ao fulgor vertiginoso de Martin Scorsese em “Os Bons Companheiros” –e esta não é, de forma alguma, uma comparação desmedida.
Paralelo à trajetória de Zé Pequeno, testemunhamos Busca-Pé, como todo morador da favela, em busca do seu próprio lugar ao sol, primeiro flertando atrapalhadamente com a criminalidade (ele só não entra para o crime graças à inépcia como criminoso) e depois descobrindo sua paixão pela fotografia (ele termina sendo responsável por uma das mais icônicas fotos de Zé Pequeno).
Sem dúvida, um dos grandes filmes nacionais de todos os tempos.
Por seu trabalho preciso e meticuloso na direção, Fernando Meirelles obteve aqui uma indicação ao Oscar de Melhor Diretor, algo sem precedentes para um cineasta brasileiro (uma pena que, naquele ano, ele concorreu diretamente com o favoritismo implacável de Peter Jackson e seu “O Senhor dos Anéis-O Retorno do Rei”).
Pena: Seu retrato magistral da violência urbana e da combinação caótica de drogas, armas e adolescentes merecia todos os prêmios a que tinha direito.

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