Primorosamente dirigido por Fernando Meirelles,
o filme “Cidade de Deus” é a obra inigualável que é (sem sombra de dúvidas, um
dos melhores filmes de todos os tempos) graças à capacidade de seu diretor em
gerenciar e administrar o talento de específicos colaboradores envolvidos: A
co-direção vigorosa de Kátia Lund, a preparação de elenco assombrosa de Fátima
Toledo, o roteiro brilhantemente detalhado e minucioso de Braulio Mantovani, a
fotografia cheia de imaginação de César Charlone e, aliado a todos esses
predicados, a montagem carregada de sensibilidade e alta voltagem de Daniel
Rezende.
Todos eles, em conjunto, transformam este filme
num trabalho sem igual.
“Cidade de Deus” parte das reminiscências de um
único personagem específico, Busca-Pé (vivido na infância por Luis Otávio, e na
juventude, por Alexandre Rodrigues), para narrar a transformação da
criminalidade na favela da Cidade de Deus desde o fim dos anos 1960 até o
começo dos anos 1980 –a cena inicial que mostra o retrocesso no tempo de suas
memórias é um exemplo poderoso da técnica cinematográfica de primeiro mundo
empregada por Meirelles: Numa seqüência sensacional que lembra o arrojado
“bullet time” de “Matrix”, dos Irmãos Wachowski (hoje, irmãs...) vemos a câmera
circundar Busca-Pé, e regressar no tempo, rejuvenescendo os atores e
transmutando o ambiente a sua volta.
Pelos olhos do perplexo Busca-Pé acompanhamos
(entre outros notáveis personagens que vêem e vão) a ascensão e queda de Zé
Pequeno (o jovem Douglas Silva, na fase “Dadinho”, e o ótimo Leandro Firmino,
quando por fim assume essa alcunha), cruel rei do tráfico, cuja sanha psicopata
é responsável por alguns dos mais inacreditáveis momentos do filme, como os
confrontos insanos e sucessivos contra Mané Galinha (Seu Jorge, magnífico) e
seu comparsa Cenoura (Matheus Nachtergaele) que dominam o explosivo trecho
final do filme. O ímpeto narrativo de Meirelles remete ao fulgor vertiginoso de
Martin Scorsese em “Os Bons Companheiros” –e esta não é, de forma alguma, uma
comparação desmedida.
Paralelo à trajetória de Zé Pequeno,
testemunhamos Busca-Pé, como todo morador da favela, em busca do seu próprio
lugar ao sol, primeiro flertando atrapalhadamente com a criminalidade (ele só
não entra para o crime graças à inépcia como criminoso) e depois descobrindo
sua paixão pela fotografia (ele termina sendo responsável por uma das mais
icônicas fotos de Zé Pequeno).
Sem dúvida, um dos grandes filmes nacionais de
todos os tempos.
Por seu trabalho preciso e meticuloso na
direção, Fernando Meirelles obteve aqui uma indicação ao Oscar de Melhor
Diretor, algo sem precedentes para um cineasta brasileiro (uma pena que,
naquele ano, ele concorreu diretamente com o favoritismo implacável de Peter
Jackson e seu “O Senhor dos Anéis-O Retorno do Rei”).
Pena: Seu retrato magistral
da violência urbana e da combinação caótica de drogas, armas e adolescentes
merecia todos os prêmios a que tinha direito.
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