Parece escapar à compreensão de alguns que o
sucesso conquistado pela Marvel Studios com seu universo compartilhado ao longo
de vários filmes não se deve somente pela excelência técnica (exercida,
sobretudo, no quesito de efeitos visuais) ou pela competência artística: Ela se
deve, acima de tudo, porque a Marvel tem o bom senso raro de compreender
integralmente seus personagens.
Essa característica fica totalmente clara em “Homem-Aranha-De
Volta Ao Lar” –obra cujo protagonista a Marvel agora tem em mãos devido à um
acordo (e a uma espécie de clamor popular, também) com os estúdios da Sony.
A dica já é dada no princípio do filme, quando
surge escrito na tela, “Um Filme de Peter Parker” –embora a intenção seja uma galhofa
(como muitas que o personagem protagonizará), ali há algo de verdadeiro: Este
filme é, sim, sobre Peter Parker. O Homem-Aranha, a identidade que ele assume
para combater o crime, impulsionado pela obtenção de seus poderes de aranha e
por um entusiasmo característico da juventude, é um detalhe que determina a
narrativa, mas seu cerne emocional e moral é, o tempo todo, Peter Parker,
interpretado com vivacidade e profundidade por Tom Holland que, desde sua
participação em “Capitão América-Guerra Civil”, ganhou não só a honra de viver
o personagem agora oficialmente inserido no Universo Marvel Cinematográfico (e
neste filme, tal aspecto é empregado numa infinidade de detalhes saborosos),
mas também o direito de ser considerado até então a melhor personificação em
cinema do personagem –que me perdoem as esforçadas tentativas de Tobey Maguire
e Andrew Garfield...
Morador de classe média do Queens, em Nova York
e estudante do ensino médio, o novo membro apadrinhado por Tony Stark (Robert
Downey Jr. sempre fazendo sua participação valer a pena) do grupo dos Vingadores,
tem a peculiaridade de ser um adolescente de quinze anos. Talvez, seja por isso
que, apesar de sua imensa ansiedade, Peter não receba, ao longo de meses,
nenhum telefonema de seu novo tutor para alguma missão além daquela em “Guerra
Civil”, onde ele foi apresentado; e as cenas iniciais, que mostram os eventos
daquela produção vistos por outra ótica já são um show à parte, e uma indicação
das mais inspiradas do humor genuíno e irresistível do qual este filme vem
dotado.
As coisas se complicam para o Homem-Aranha
quando, em sua patrulha habitual como “herói do subúrbio”, ele descobre o
esquema de Adrian Toomes (Michael Keaton, sensacional) que, desde os eventos
mostrados em “Os Vingadores”, vem obtendo clandestinamente tecnologia
alienígena e vendendo-a no mercado negro. A despeito dos alertas de Tony Stark
e de seu braço direito Happy Hogan (Jon Favreau, de perfeito timing cômico)
para que não se meta em encrencas, Peter decide ir a fundo na tentativa de
desmantelar essa quadrilha, mas as atribulações dessa vida de vigilante
mascarado vão colidir com a já agitada e caótica vida adolescente e estudantil
de Peter que precisa equilibrar um romance relutante –com a bela Liz Allan
(Laura Harrier), uma das meninas mais populares da escola –a amizade com o
divertido Ned (Jacob Batalon), que acaba descobrindo seu segredo, e seus
esforços atrapalhados para tentar ocultar isso tudo de sua Tia May vivida por
uma deliciosa Marisa Tomei.
E sobram assim oportunidades (nenhuma delas
desperdiçada) para que “De Volta Ao Lar” faça magníficas referências aos filmes
de John Hugues, essenciais retratos desse tipo de dramaturgia adolescente; e a seqüência
que emula um dos momentos antológicos de “Curtindo A Vida Adoidado” é nada
menos que genial!
Está aí, pois, na variedade de cores e
perplexidades da rotina de Peter Parker a grande sacada que faz da Marvel –e do
universo ao qual ela dá corpo –algo tão especial: Os mesmos elementos que fazem
e que fizeram o fascínio perene de gerações inteiras de leitores se vêem
preservados e transpostos com brilho na tela do cinema.
No caso de Homem-Aranha/Peter Parker, são as
irônicas exigências da vida heróica que insistem em intervir em suas tentativas
de ser feliz numa vida normal, e o filme magistralmente dirigido pelo jovem Jon
Watts utiliza desses expedientes com habilidade seja em seu humor, seja em seu
drama.
Em meio à isso tudo, ele
ainda insere cenas prodigiosas de ação e uma admirável construção de
praticamente todos os personagens –as revelações a respeito de Adrian Toomes no
terço final do filme são notáveis e surpreendentes: Precisa mais para que este
seja o melhor filme do Homem-Aranha realizado até hoje?
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