sábado, 8 de julho de 2017

Madre Joana dos Anjos

As escolhas formais do diretor polonês Jerzy Kawalerowicz impressionam já desde o início: Em enquadramentos opressivos, justapostos em cenários áridos de espaço aberto e frio, ele faz lembrar um Michael Haneke com a tensão que consegue gerar por meio da aridez de um só take.
É assim, sufocando o expectador com uma agonia indefinível, que ele começa a história de um devotado padre (Mieczyslaw Voit) levado à uma aldeia remota pela urgência de um caso que outros exorcistas despachados pela Igreja não foram capazes de resolver.
As freiras do convento local estão à beira da histeria. Uma delas, sua Madre Superiora (Lucyna Winnicka, perfeita no papel), apresenta sinais evidentes de possessão: Tem transtornos de ordem bipolar, surtos quase psicóticos, rompantes de fúria repentina e comportamentos imprevisíveis que em geral chocam os demais crédulos à sua volta.
Pelo menos um sacerdote já sucumbiu ao mesmo mal que lhe aflige –e tão grave foi a recaída que terminou queimado em uma fogueira.
O padre não parece de todo convencido: Sua primeira reação é procurar explicações plausíveis para o que se sucedeu e, na medida do possível, reprimir o temor generalizado que contamina pouco a pouco todos os membros da aldeia.
Entretanto, como um hábil diretor de filmes de terror (embora este, a rigor, não seja um filme de terror na definição convencional do termo) Kawalerowicz irá minar essa lucidez de certeza que o protagonista leva consigo –e paralelamente, também a do expectador.
As inserções sobrenaturais são empregadas com economia, sem que nada seja revelado, o quê abre espaço para diversas interpretações –como a possibilidade de uma histeria coletiva, sobretudo, quando os acontecimentos alcançam um nível atroz de fatalismo sem, no entanto, jamais soar implausível.
Tão autêntica é sua encenação, tão poderosamente provida de verdade cartesiana e táctil ela é que justamente daí brota a verdadeira estrutura de seu medo: Das crenças inadmissíveis que temos (e que habitam as áreas mais obscuras de nosso pensamento), mas em geral evitamos e negamos a nós mesmos.
Não é nem um pouco à toa, portanto, que “Madre Joana dos Anjos” ao lado do igualmente poderoso e ultrajante “Os Demônios”, de Ken Russel, seja uma das influências fundamentais que William Friedkin usou para compor sua obra-prima “O Exorcista”.

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