A precisão de perceber uma época que se
transforma é o retrato nunca menos que sublime que nos proporciona o diretor
Michael Mann.
Tal qual é inerente em sua filmografia, os
protagonistas e seus asseclas surgem como seres humanos mergulhados nos
meandros de suas profissões: Assaltante de banco, no caso do John Dilinger de
Johnny Depp; Agente federal, no caso do Neal Purvis de Christian Bale. Mas o
registro de Mann, feito com câmera digital do próprio gênero de gangster é que
é verdadeiramente desconcertante. A beleza de enquadramentos assimétricos é
logo arrebatada pela imprevisibilidade da percepção que a imagem granulada nos
provoca. Não há dúvida, aquele é um mundo prestes a mudar.
E como toda mudança, esta certamente será
dolorosa. Os tiroteios a céu aberto em praça pública do Velho Oeste ficaram
para trás, mas ainda não longe o suficiente. As leis, a indústria e o progresso
tomam de assalto os EUA (assim como a Grande Depressão, seu efeito colateral) e
acabam domesticando os homens e regulamentando as cidades. Mas ainda há
resquícios desses cowboys de arma na cintura nesses homens civilizados da
década de 1930. E Neal Purvis é um deles. O selvagem pistoleiro agora em
contato com o homem moderno dentro de si, um certo receio ao ser posto a frente
do ainda embrionário Bureau de Investigação. Purvis, porém, tem pouco tempo de
cena. É Dilinger a fonte real do fascínio da narrativa. E Johnny Depp, após
vinte anos de carreira, e tantos ótimos filmes, aqui parece revelar um novo
ator, uma nova forma de interpretar, um novo Johnny Depp, imerso num realismo
de pólvora e sangue. Assistir um ator encontrar algo assim é uma jornada
incrível.
Seria injustiça não citar a
linda Marion Cotillard, perfeita no contraponto humano e lúdico de uma história
que é quase lendária. Em seus momentos centrais “Inimigos Públicos” tem a
visceralidade da câmera digital que Michael Mann usou e aprimorou desde o
fantástico “Colateral”. No seu princípio e no seu fim, porém, ele retorna às
câmeras de cinema, onde o formato widescreen parece emoldurar essa trajetória
que não é apenas de John Dilinger, mas de toda uma nação, a caminho de uma nova
época, durante a qual só ali, naquele instante, se percebia os efeitos da
mudança, e num outro nível, de todo um gênero cinematográfico que nascia então,
por meio de homens que, como Dilinger, morriam para se tornarem lendas.
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