Mais do que a maioria dos gêneros, a ficção
científica serve de reflexo para questões pertinentes ao nosso tempo e nosso
mundo. Grandes autores, como Ray Bradbury e Phillip K. Dick compreenderam isso
em obras profundamente reflexivas como “Fahrenheit 451” e “Blade Runner”, ambos
transpostos para o cinema por François Truffaut e Ridley Scott,
respectivamente, com resultados (sobretudo no caso do segundo) espetaculares.
Seria um empolgante exercício de imaginação
para qualquer cinéfilo imaginar como seria um filme adaptado de Phillip K. Dick
e dirigido por Steve Spielberg, se isso não tivesse de fato acontecido, com o
lançamento de “Minority Report-A Nova Lei”.
Habitando uma área nebulosa entre os filmes de
fantasia mais abertamente juvenis que o diretor realizou e as obras com apelo
bem mais sério que ele passou a entregar com o passar dos anos (caso também da
ficção “A.I.-Inteligência Artificial” que dirigiu alguns anos antes), este
filme é também sua primeira colaboração com o astro Tom Cruise, que interpreta
um chefe de polícia num futuro onde um procedimento bastante polêmico está
sendo estudado: Trata-se do programa pré-crime, segundo o qual, por meio de
três jovens sensitivos poderosos, são vislumbrados lampejos do futuro, para que
assim criminosos possam ser capturados antes de realizarem seus crimes.
O programa, não à toa, divide opiniões –uns,
como John Anderton (o personagem de Tom Cruise), acreditam piamente em sua
eficácia, e para isso argumentam com a profunda redução da taxa de
criminalidade que sua execução provoca; outros, acreditam que uma pessoa não
pode ser culpada por um crime que não teve mais a chance de cometer, argumentam
que o futuro pode ser fluído e que a liberdade de cometer o crime corresponde
igualmente à escolha de não cometê-lo. E essa é só a primeira das fascinantes
questões que o filme desperta.
Afinal, se paramos para pensar, a paranóica
política de prevenção tão difundida nos EUA desde a tragédia de 11 de setembro
nada mais é do que uma tentativa insistente de prever o futuro –policiais,
agentes federais e um sem fim de autoridades treinadas são instruídos a se
basear em indícios (como, por exemplo, a fisionomia e as atitudes de alguém
suspeito), para que possam deduzir qual será o futuro; poderá aquele elemento
suspeito deflagrar um ato terrorista? Na determinação em não permitir que
aquilo aconteça (o futuro possível), as pessoas assim interpretam as pistas que
têm (características físicas de alguém, indícios em suas roupas, procedência,
comportamento errático ou não) e tentam fazer uma previsão e antecipar-se ao
pior: Estão o tempo todo tentando impedir um crime antes que ele aconteça!
O brilhante trabalho de Spielberg como diretor
ajuda a aproximar ainda mais essa premissa de nosso dia a dia, humanizando os
mais variados aspectos, e tornando aquele futuro extraordinariamente palpável.
Claro que o filme não para por aí e John
Anderton é confrontado com uma informação inesperada: Surge uma premonição que
aponta ele próprio como assassino de um homem completamente desconhecido nas próximas
doze horas.
O herói tem então um impasse no qual, desta
vez, não pode se dar ao luxo de escolher um lado com veemência: Se a previsão
se confirmar, ele irá preso como assassino; se ele provar sua inocência, estará
automaticamente provando a ineficácia do programa pré-crime.
Há apenas uma tênue alternativa: Uma vez
foragido, voltar à sede do departamento pré-crime e roubar o mais poderoso dos
três sensitivos, a jovem Agatha (maravilhosamente interpretada por Samantha
Morton), único indivíduo capaz de prever um futuro alternativo que poderá, por
ventura, inocentá-lo –o chamado “relatório discordante”.
Pontuado por reviravoltas que não devem nada a
nenhum dos grandes filmes de investigação e mistério do cinema, este magnífico
conto de ficção científica é, até hoje, um corpo estranho (ainda que
espetacular) aos títulos normalmente recorrentes na filmografia bastante
exuberante de seu diretor.
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