sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Minority Report - A Nova Lei

Mais do que a maioria dos gêneros, a ficção científica serve de reflexo para questões pertinentes ao nosso tempo e nosso mundo. Grandes autores, como Ray Bradbury e Phillip K. Dick compreenderam isso em obras profundamente reflexivas como “Fahrenheit 451” e “Blade Runner”, ambos transpostos para o cinema por François Truffaut e Ridley Scott, respectivamente, com resultados (sobretudo no caso do segundo) espetaculares.
Seria um empolgante exercício de imaginação para qualquer cinéfilo imaginar como seria um filme adaptado de Phillip K. Dick e dirigido por Steve Spielberg, se isso não tivesse de fato acontecido, com o lançamento de “Minority Report-A Nova Lei”.
Habitando uma área nebulosa entre os filmes de fantasia mais abertamente juvenis que o diretor realizou e as obras com apelo bem mais sério que ele passou a entregar com o passar dos anos (caso também da ficção “A.I.-Inteligência Artificial” que dirigiu alguns anos antes), este filme é também sua primeira colaboração com o astro Tom Cruise, que interpreta um chefe de polícia num futuro onde um procedimento bastante polêmico está sendo estudado: Trata-se do programa pré-crime, segundo o qual, por meio de três jovens sensitivos poderosos, são vislumbrados lampejos do futuro, para que assim criminosos possam ser capturados antes de realizarem seus crimes.
O programa, não à toa, divide opiniões –uns, como John Anderton (o personagem de Tom Cruise), acreditam piamente em sua eficácia, e para isso argumentam com a profunda redução da taxa de criminalidade que sua execução provoca; outros, acreditam que uma pessoa não pode ser culpada por um crime que não teve mais a chance de cometer, argumentam que o futuro pode ser fluído e que a liberdade de cometer o crime corresponde igualmente à escolha de não cometê-lo. E essa é só a primeira das fascinantes questões que o filme desperta.
Afinal, se paramos para pensar, a paranóica política de prevenção tão difundida nos EUA desde a tragédia de 11 de setembro nada mais é do que uma tentativa insistente de prever o futuro –policiais, agentes federais e um sem fim de autoridades treinadas são instruídos a se basear em indícios (como, por exemplo, a fisionomia e as atitudes de alguém suspeito), para que possam deduzir qual será o futuro; poderá aquele elemento suspeito deflagrar um ato terrorista? Na determinação em não permitir que aquilo aconteça (o futuro possível), as pessoas assim interpretam as pistas que têm (características físicas de alguém, indícios em suas roupas, procedência, comportamento errático ou não) e tentam fazer uma previsão e antecipar-se ao pior: Estão o tempo todo tentando impedir um crime antes que ele aconteça!
O brilhante trabalho de Spielberg como diretor ajuda a aproximar ainda mais essa premissa de nosso dia a dia, humanizando os mais variados aspectos, e tornando aquele futuro extraordinariamente palpável.
Claro que o filme não para por aí e John Anderton é confrontado com uma informação inesperada: Surge uma premonição que aponta ele próprio como assassino de um homem completamente desconhecido nas próximas doze horas.
O herói tem então um impasse no qual, desta vez, não pode se dar ao luxo de escolher um lado com veemência: Se a previsão se confirmar, ele irá preso como assassino; se ele provar sua inocência, estará automaticamente provando a ineficácia do programa pré-crime.
Há apenas uma tênue alternativa: Uma vez foragido, voltar à sede do departamento pré-crime e roubar o mais poderoso dos três sensitivos, a jovem Agatha (maravilhosamente interpretada por Samantha Morton), único indivíduo capaz de prever um futuro alternativo que poderá, por ventura, inocentá-lo –o chamado “relatório discordante”.

Pontuado por reviravoltas que não devem nada a nenhum dos grandes filmes de investigação e mistério do cinema, este magnífico conto de ficção científica é, até hoje, um corpo estranho (ainda que espetacular) aos títulos normalmente recorrentes na filmografia bastante exuberante de seu diretor.

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