Dirigido por Thom Zimny, este documentário da Netflix dá ao astro Sylvester Stallone a oportunidade de assumir a voz de sua própria narrativa de vida, não apenas jogando luz em várias facetas não muito conhecidas da trajetória dele, mas expondo os bastidores às vezes inusitados de muitas produções conhecidas, cobrindo com isso, pouco mais de quatro décadas de história do cinema norte-americano, por um ponto de vista muito específico.
Depoimentos de Arnold Schwarznegger, Henry
Winkler, Quentin Tarantino e outros ajudam a temperar esse material com
observações bem-humoradas e, não raro, cheias de admiração.
Stallone começa relembrando sua infância,
nascido no bairro nova-iorquino de Hell’s Kitchen, e mudando de cidade mais
tarde quando seus pais se divorciaram; Stallone foi criado pelo pai, enquanto
seu irmão, Frank, foi criado pela mãe –nesse trecho, o astro não se furta de
revelar os primeiros esboços da violência doméstica exercida pelo pai que, em
inúmeros aspectos, viria a interferir em seu trabalho e em sua arte.
Logo, segue-se a vontade de se tornar ator,
incentivada por professores que notaram sua inclinação às artes cênicas e até
mesmo um certo anseio por ser adorado pela plateia. Com isso em mente, Sly
–como é chamado por amigos –regressa para Nova York, onde enfrenta várias dificuldades;
seu biotipo era propício somente para interpretar brutamontes e vilões de
quinta categoria nas produções de então. Um dos poucos momentos em que obtém
trabalho foi no hoje cult-movie “Os
Lordes de Flatbush”, foi durante aquelas filmagens que Sly descobre um pendor
incomum para improvisar e criar em cena –ele não apenas era capaz de atuar, mas
de escrever também. Curiosamente, o documentário omite completamente o
famigerado início de carreira em que Stallone flertou com o universo underground cinematográfico no pornô “O
Garanhão Italiano”.
Numa outra decisão súbita e radical, Sly
arrisca tudo para empreender uma viagem até a Costa Leste, até Hollywood, em
Los Angeles, a fim de obter emprego no cinema, no entanto, também lá a
discriminação inicial com seu físico avantajado lhe faz perder mais
oportunidades do que obtê-las. Até ele decidir trilhar seu próprio caminho:
Escrever pessoalmente o filme que iria estrelar.
O roteiro de “Rocky-O Lutador” surge da
influência do clássico instantâneo, “Caminhos Perigosos”, de Martin Scorsese,
mesclado às lembranças de “Sindicato de Ladrões”, com Marlon Brandon, que Sly
tanto assistiu na juventude, quando se refugiava da intolerância paterna nas
salas de cinema. Ele precisou, porém, de muita tenacidade para suportar a
pressão e as propostas que lhe ofereciam para que vendesse o seu roteiro, sem
que ele fosse escalado como protagonista.
Após uma longa e penosa jornada, o filme é
realizado e –com a vitória espetacular no Oscar 1977 –Stallone, enfim, se sagra
como um astro de cinema. Ainda assim, seus contratempos não haviam acabado: Se
Stallone havia atingido o topo, certamente, seria ainda mais desafiador tentar
manter-se lá nos anos seguintes.
Ao sucesso de “Rocky” seguiu-se a recepção algo
duvidosa do esforçado ainda que limitado “F.I.S.T.”, de Norman Jewinson, e o
pouco visto e ainda menos memorável “Paradise Alley”, escrito, dirigido e
produzido pelo próprio Stallone, o sucesso só voltou a brilhar sobre ele quando
assumiu as rédeas para realizar a aguardada continuação “Rocky II-A Revanche”.
Já eram então os anos 1980, e além da série “Rocky”, Stallone viu-se
transformar num dos emblemáticos heróis de ação do período, quando resolveu
desempenhar o papel principal em “Rambo-Programado Para Matar”, inicialmente,
um suspense de ação sobre as celeumas existenciais do Vietnam, no qual
Stallone, sem saber, acendeu um estopim para uma nova franquia ao repudiar o
final original, onde o personagem se suicidava. Ao protagonizar as novas e
turbinadas aventuras de Rambo (que Stallone interpretou, pelo menos no primeiro
filme, com as neuroses domésticas de seu pai, veterano da Segunda Guerra
Mundial, em mente), Sly entrou para o mesmo time de Schwarzenegger (com quem
por um tempo ele manteve uma notória rivalidade), Jean Claude Van Damme e
outros, como um dos grandes astros da ação e da pancadaria da década de 1980.
Ele até tentou diversificar, sobretudo nos anos
1990, quando flertou com a comédia com resultados improváveis (“Oscar-Minha Filha Quer Casar”) ou simplesmente vergonhosos (o vexaminoso “Pare, Senão Mamãe
Atira!”), filmes de ação ligeiramente diferenciados (“O Demolidor”, com uma
ainda jovem Sandra Bullock) e ao menos uma grande obra elogiada pela crítica,
mas pouco vista pelo público (o hoje quase desconhecido “Cop Land”),contudo,
pouco mudou o fato de que, ao longo de sua carreira, os fãs queriam vê-lo fosse
como Rocky, ou Rambo, ou como algum outro herói de ação.
Após um hiato de alguns anos –quando seus
filmes estagnaram e ele ficou um tempo sem aparecer nos cinemas, trecho que o
documentário também parece respeitosamente contornar –Sly voltou às telonas com
“Rocky Balboa”, o sexto filme da série. Se o primeiro e o segundo filmes eram
uma mesma história de amor e perseverança a envolver um personagem no qual Sly
derramou muito de si, o terceiro e o quarto, nos anos 1980, eram sobre os
excessos de auto-afirmação da Era Reagan, e o quinto uma tentativa falha e
pouco convincente (ainda que, ao meu ver, válida) de voltar às origens, então,
o sexto filme de Rocky era uma forma de Stallone se enxergar na árdua adaptação
aos novos tempos, ao fato de que a idade havia o alcançado, e de como lidar com
a inexorável passagem do tempo.
Ficamos sabendo também de sua insistência em
ainda manter o personagem Rambo vivo ao final de “Rambo-Até O Fim” e das
severas complicações físicas enfrentadas por ele durante as filmagens de “Os Mercenários”, franquia mais recente que resgatou a memória dele e de outros
grandes astros da ação do passado.
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