Na transição da década de 1970 para a de 80, Sylvester Stallone experimentava uma aclamação da crítica que iria minguar gradativamente nos anos seguintes, a medida que seu estrelato junto ao público se consolidava: Ele havia lançado anos antes “Rocky-Um Lutador”, pelo qual, é bom lembrar, foi indicado aos Oscar de Melhor Ator e Melhor Roteiro. A imagem de Stallone, no período, era de um ator realmente talentoso, e não do truculento marombado com a qual ele passou a ser relacionado –essa mudança de percepção iniciou-se, certamente, com “Rambo-Programado Para Matar”.
É curioso perceber assim que, junto com seu
intérprete, o próprio personagem também experimenta uma metamorfose muito
parecida ao longo de seus filmes.
Adaptado do romance “First Blood”, de David
Morrell, “Rambo” tratava de questões um tanto pertinentes na época, como a
discriminação da sociedade norte-americana pelos veteranos da Guerra do
Vietnam, viés explorado com outras variações também em “O Franco Atirador”,
“Taxi Driver” e muitos outros daquele mesmo período. Na direção estava o
australiano Ted Kotcheff, vindo de um ozploitation
inquieto, desigual e singular chamado “Pelos Caminhos do Inferno” (e que quase
foi dado como perdido durante um tempo), que valeu-se do clima da Nova
Hollywood de então para adornar o drama discriminatório e a circunstância
intolerável que o roteiro constrói com doses maciças, crescentes e francamente
hiperbólicas de suspense e ação.
Mochileiro norte-americano, John Rambo
(Stallone, fazendo um protagonista taciturno cujos coadjuvantes têm mais falas
que ele próprio) começa o filme procurando por um amigo dos tempos em que
serviram no exército e lutaram nas selvas do Camboja. O amigo, entretanto, ele
logo vem a descobrir, faleceu, e o filme estabelece a situação, constantemente
mantida, na qual o protagonista se vê sempre sozinho.
Assim, John acaba peregrinando nas proximidades
de uma pequena cidade dos EUA, onde é abordado pelo xerife local Will Teasle (o
ótimo Bryan Dennehy). Apesar da conversa amistosa e afável, as intenções de
Teasle são claras: Ele não quer John em ‘sua’ cidade e lhe dá carona até o
cruzamento do outro lado, para que siga de uma vez o seu caminho. Incomodado
com aquilo (e com razão), John resolve voltar, nem que seja para comer em
alguma lanchonete qualquer; entretanto, Teasle vê nisso justificativa para
prendê-lo e botá-lo atrás das grades.
Na delegacia, John é maltratado, torturado e
afrontado pelos policiais, visivelmente contrariados com sua presença. No
entanto, é somente alguns dias depois, quando tentam imobilizá-lo para fazer
sua barba à força, que o stress pós-traumático dele finalmente aflora (no
Vietnam, ele foi torturado com navalhas de barbear!): John agride os policiais
e consegue escapar da delegacia, tomando uma moto e fugindo para as florestas
locais.
Os policiais, insensíveis, truculentos e
guiados pela tensão do momento –além de uma nítida implicância para com o
protagonista –transformam aquilo então em uma caçada humana, levando John Rambo
a acionar seus instintos de sobrevivência para escapar.
É uma aventura que coloca o personagem excluído
e incompreendido (e por essa razão, dono de plena identificação com a plateia)
contra toda uma apática comunidade que o antagoniza –e o crescente de perigos e
contratempos bélicos estabelecidos pelo diretor, embora flerte com o
improvável, é apesar disso, ou justamente por isso, espetacular!
Vez ou outra, essa ação –aqui, mais econômica
nos filmes que vieram depois –se deixa interromper para deliberações dialogadas
entre os coadjuvantes (curiosamente, as reflexões nunca brotam do
protagonista), sobretudo, Teasle e, mais tarde, o Coronel Trautman (Richard
Crenna, de “Corpos Ardentes”), oficial que treinou John Rambo e que, em razão
disso, o conhece como ninguém.
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