terça-feira, 17 de abril de 2018

Corpos Ardentes

Existem diversos elementos na premissa de “Corpos Ardentes” que o relacionam ao gênero do filme noir em geral, e à “Pacto de Sangue”, de Billy Wilder, em particular –a ponto de parte da crítica apontá-lo como uma refilmagem, embora ele não necessariamente o seja.
Indo de encontro ao clima monocromático e gélido dos filmes noir do passado, a obra se ambienta em uma abafada e escaldante cidadezinha da Flórida –a encenação do diretor Lawrence Kasdan não poupa recursos (filtros de câmera alaranjados, suor constante) para sugerir a onda de calor extremo que aflige os personagens.
Seu protagonista, o desleixado e pouco interessado Ned Racine (William Hurt) é um advogado cujas aspirações não encontram ali maior ânimo –ganhar uma ou outra causa no tribunal local e transar casualmente com garçonetes e enfermeiras parece lhe bastar.
Uma noite, contudo, ele conhece uma dessas mulheres capazes de abalar a rotina de qualquer homem: a fulgurante Matty Walker que, vivida por Kathleen Turner, é uma femme fatale com todas as letras –a química entre Turner e Hurt é tão pontual e precisa que o próprio Kasdan tornou a usá-los, anos depois, como par central num outro filme completamente diferente, o intimista “O Turista Acidental”.
Oferecendo uma resistência na medida certa para tornar os avanços de Ned ainda mais inevitáveis, Matty se torna sua amante; às escondidas, diga-se, pois ela é casada.
Logo, as descrições de Matty de sua vida conjugal incitam Ned a planejar a morte do marido dela (interpretado por Richard Crenna, de “Rambo”).
Ned elabora o que considera ser um crime perfeito onde todas as peças estão devidamente plantadas para fazer parecer que o assassinato foi, em verdade, um acidente –ou, em última instância, um crime que nem ele, nem Matty cometeram –e para que a esposa, agora viúva, herde toda a herança do falecido; o quê garantirá aos amantes a boa vida com a qual sonharam.
Todavia, a execução do plano já apresenta perigos (o marido tinha arma em casa e eles não sabiam), detalhes inesperados (os óculos dele, que se extraviam e que contêm as impressões digitais de Ned) e outros desdobramentos que, nos dias tensos que se seguem, parecem apertar o cerco em torno de Ned que se vale da amizade com o promotor fã de Fred Astaire, Peter Lowenstein (Ted Danson) e com o policial honesto Oscar Grace (J.A. Preston) para estar desinteressadamente próximo das investigações –e ter assim oportunidade se desvencilhar de sua iminente culpa.
Entretanto, uma vez praticado o assassinato as coisas não irão facilitar para Ned, especialmente quando ficar claro, aos poucos, que ele é só mais uma engrenagem num plano individual elaborado pela própria Matty; plano no qual ele, em seu desenlace, não parece estar incluído.
Com efeito, tal e qual realizadores como Dennis Hopper (“Hot Spot-Um Lugar Muito Quente”) e os Irmãos Coen (“Gosto de Sangue”) naqueles idos, Lawrence Kasdan (mais conhecido pelo roteiro de “O Império Contra-Ataca”, aqui estreando na direção) promove uma modernização do gênero em plenos anos 1980, fazendo com que as características –antes sugestivas –de lascívia e sedução, com a audácia conquistada pelos novos tempos, se façam mais explícitas, o quê paradoxalmente torna este trabalho nem tanto um noir moderno (embora ele, por méritos, também o seja), mas um dos primeiros (e, sejamos justos, melhores) exemplares do ‘thriller erótico’ –e, nesse sentido, a estréia no cinema de Kathleen Turner é, no mínimo, audaz e corajosa, uma vez que ela encara cenas tórridas de nudez e sexo!

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