Conhecido nos quadrinhos como Mestre do Kung-Fu, o personagem Shang-Chi, da Marvel, é mais antigo do que pode parecer: Introduzido neste filme, o primeiro provavelmente a adentrar a nova fase da Marvel Studios, iniciada após o retumbante “Vingadores-Ultimato” e o gracioso “Homem-Aranha Longe de Casa” –“Viúva Negra” não conta visto que a trama retrocede em outro ponto da cronologia –o protagonista chega tardiamente ao Universo Marvel Cinematográfico quando outros heróis igualmente antigos nas HQs, como Capitão América, Thor ou Homem de Ferro, já estavam pra lá de estabelecidos.
Surgido em meados dos anos 1970, quando as
artes marciais viraram uma coqueluche graças ao sucesso de Bruce Lee, o
personagem girava em torno de influências que iam desde as criações literárias
do escritor Sax Rohmer (criador original do vilão Fu Manchu) até seriados de
kung-fu. Fruto de outra época, de outros anseios criativos e de outras
inspirações artísticas, a versão moldada para cinema difere consideravelmente
daquela contraparte dos quadrinhos; e nesse ensejo, a Marvel manuseou uma série
de interessantes ideias a fim de harmonizar ainda mais seu universo
compartilhado nos cinemas.
Agora não mais filho de Fu Manchu –os direitos
autorais do personagem há tempos já não estavam mais com a editora –Shang-Shi
(vivido pelo carismático Simu Liu) agora vem a ser (como, aliás, o próprio
título do filme já sugere) filho do vilão conhecido como Mandarim, ou quase
isso...
O Mandarim era sempre relacionado ao Grupo
Terrorista dos Dez Anéis, que marcou presença no primeiro filme da Marvel
Studios, “Homem de Ferro”, num já longínquo 2008. O Mandarim propriamente dito
deu as caras em “Homem de Ferro 3”, interpretado por Ben Kingsley, numa manobra
narrativa que gerou polêmica entre alguns fãs: O diretor e roteirista daquele
filme, Shane Black, resolveu a delicada questão em torno do fato do vilão ser
uma caricatura racista com um pouco de galhofa e desprendimento. Os fãs mais
xiitas, porém, acharam inadequada a brincadeira e a Marvel Studios, em
resposta, ventilou a existência do verdadeiro Mandarim num curta-metragem
“Todos Saúdem O Rei”, de 2014. Existência esta que este longa-metragem, agora,
vem a ratificar, explicar e justificar em seu enredo.
Mas, por que eu falei tanto sobre o Mandarim
(que aqui, sequer é chamado por essa alcunha) se o personagem principal é
Shang-Shi? Simples: Numa manobra bastante espirituosa, os realizadores, tendo
transformado aquele vilão no pai de Shang-Shi em lugar no inadequado Fu Manchu,
e sendo ele interpretado pela lenda-viva Tony Leung, conferem ao personagem, de
nome Wenwu, uma dimensão trágica, um propósito e um respaldo que além de
dissipar qualquer suspeita de
estereótipo racista, o iguala em importância ao próprio protagonista.
Portanto, “Shang-Shi and The Legend of The Ten
Rings” é, no fundo, sobre uma problemática relação de pai e filho –temática na
qual o diretor Destin Daniel Cretton já trabalhara em “Castelo de Vidro”
–contrapondo então Wenwu e Shang-Shi. O pai corrupto e corruptível cuja aura
lendária esmaga o filho, desejoso, por inúmeras razões de sair de sua sombra, e
de trilhar um caminho que não o desvirtue. Apesar de trazer um prólogo bastante
explicativo, a cena de dá o estopim à este filme é uma referência bastante
explícita e inteligente ao primeiro “Homem de Ferro”: A câmera circunda um
carro de luxo para mostrar seu ocupante (que no filme original era o próprio
Tony Stark) e então, num movimento inesperado, foca no manobrista ao fundo da
cena; e, este sim, trata-se do protagonista Shang-Shi (!). trabalhando em
sub-empregos nos EUA, Shang-Shi busca ficar longe da influência paterna, sendo
Wenwu um lendário chefe de organização criminosa no Oriente, controle este
garantido por cinco ‘anéis’ (estão mais para argolas, na verdade, uma das
traduções possíveis para rings)
dotados de poder místico que ele trás em seus braços –e que lhe conferem
imortalidade.
Perseguido e ameaçado junto de sua amiga Kate
(a divertida Awkwafina, de "Oito Mulheres e Um Segredo", numa personagem que com frequência se resume a ser o
alívio cômico do filme), Shang-Shi deve procurar sua irmã (Meng'er Zhang), para
tentarem descobrir quais são as intenções de seu pai –o que incluem,
certamente, o acesso, há tanto tempo almejado, à vila mítica de Tai Lo.
Inerente à sua proposta, o filme de Destin
Cretton incorpora ao seu invariável catálogo de cenas de ação (algo no qual a
Marvel procura se superar a cada projeto) o manejo hábil das artes marciais,
com coreografias que, ao longo dos anos graças à obras como “O Tigre e O Dragão” e “O Clã das Adagas Voadoras”, foram se tornando cada vez mais
complexas e elaboradas. À esse repertório, a produção agrega também um
característico acabamento visual herdado desses filmes citados, evocando um
Oriente belíssimo, mitológico e estilizado. Esses predicados emolduram uma
trama sobre laços familiares que introduz um personagem bastante interessante
(e representativo) entre as fileiras do Universo Marvel; ao lado dos
personagens já reconhecidos e ainda disponíveis (sem falar de outros mais que
ainda virão), Shang-Shi deve protagonizar algumas aventuras individuais e
coletivas no futuro.
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