segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Shang-Shi e A Lenda dos Dez Anéis


 Conhecido nos quadrinhos como Mestre do Kung-Fu, o personagem Shang-Chi, da Marvel, é mais antigo do que pode parecer: Introduzido neste filme, o primeiro provavelmente a adentrar a nova fase da Marvel Studios, iniciada após o retumbante “Vingadores-Ultimato” e o gracioso “Homem-Aranha Longe de Casa” –“Viúva Negra” não conta visto que a trama retrocede em outro ponto da cronologia –o protagonista chega tardiamente ao Universo Marvel Cinematográfico quando outros heróis igualmente antigos nas HQs, como Capitão América, Thor ou Homem de Ferro, já estavam pra lá de estabelecidos.

Surgido em meados dos anos 1970, quando as artes marciais viraram uma coqueluche graças ao sucesso de Bruce Lee, o personagem girava em torno de influências que iam desde as criações literárias do escritor Sax Rohmer (criador original do vilão Fu Manchu) até seriados de kung-fu. Fruto de outra época, de outros anseios criativos e de outras inspirações artísticas, a versão moldada para cinema difere consideravelmente daquela contraparte dos quadrinhos; e nesse ensejo, a Marvel manuseou uma série de interessantes ideias a fim de harmonizar ainda mais seu universo compartilhado nos cinemas.

Agora não mais filho de Fu Manchu –os direitos autorais do personagem há tempos já não estavam mais com a editora –Shang-Shi (vivido pelo carismático Simu Liu) agora vem a ser (como, aliás, o próprio título do filme já sugere) filho do vilão conhecido como Mandarim, ou quase isso...

O Mandarim era sempre relacionado ao Grupo Terrorista dos Dez Anéis, que marcou presença no primeiro filme da Marvel Studios, “Homem de Ferro”, num já longínquo 2008. O Mandarim propriamente dito deu as caras em “Homem de Ferro 3”, interpretado por Ben Kingsley, numa manobra narrativa que gerou polêmica entre alguns fãs: O diretor e roteirista daquele filme, Shane Black, resolveu a delicada questão em torno do fato do vilão ser uma caricatura racista com um pouco de galhofa e desprendimento. Os fãs mais xiitas, porém, acharam inadequada a brincadeira e a Marvel Studios, em resposta, ventilou a existência do verdadeiro Mandarim num curta-metragem “Todos Saúdem O Rei”, de 2014. Existência esta que este longa-metragem, agora, vem a ratificar, explicar e justificar em seu enredo.

Mas, por que eu falei tanto sobre o Mandarim (que aqui, sequer é chamado por essa alcunha) se o personagem principal é Shang-Shi? Simples: Numa manobra bastante espirituosa, os realizadores, tendo transformado aquele vilão no pai de Shang-Shi em lugar no inadequado Fu Manchu, e sendo ele interpretado pela lenda-viva Tony Leung, conferem ao personagem, de nome Wenwu, uma dimensão trágica, um propósito e um respaldo que além de dissipar qualquer suspeita de  estereótipo racista, o iguala em importância ao próprio protagonista.

Portanto, “Shang-Shi and The Legend of The Ten Rings” é, no fundo, sobre uma problemática relação de pai e filho –temática na qual o diretor Destin Daniel Cretton já trabalhara em “Castelo de Vidro” –contrapondo então Wenwu e Shang-Shi. O pai corrupto e corruptível cuja aura lendária esmaga o filho, desejoso, por inúmeras razões de sair de sua sombra, e de trilhar um caminho que não o desvirtue. Apesar de trazer um prólogo bastante explicativo, a cena de dá o estopim à este filme é uma referência bastante explícita e inteligente ao primeiro “Homem de Ferro”: A câmera circunda um carro de luxo para mostrar seu ocupante (que no filme original era o próprio Tony Stark) e então, num movimento inesperado, foca no manobrista ao fundo da cena; e, este sim, trata-se do protagonista Shang-Shi (!). trabalhando em sub-empregos nos EUA, Shang-Shi busca ficar longe da influência paterna, sendo Wenwu um lendário chefe de organização criminosa no Oriente, controle este garantido por cinco ‘anéis’ (estão mais para argolas, na verdade, uma das traduções possíveis para rings) dotados de poder místico que ele trás em seus braços –e que lhe conferem imortalidade.

Perseguido e ameaçado junto de sua amiga Kate (a divertida Awkwafina, de "Oito Mulheres e Um Segredo", numa personagem que com frequência se resume a ser o alívio cômico do filme), Shang-Shi deve procurar sua irmã (Meng'er Zhang), para tentarem descobrir quais são as intenções de seu pai –o que incluem, certamente, o acesso, há tanto tempo almejado, à vila mítica de Tai Lo.

Inerente à sua proposta, o filme de Destin Cretton incorpora ao seu invariável catálogo de cenas de ação (algo no qual a Marvel procura se superar a cada projeto) o manejo hábil das artes marciais, com coreografias que, ao longo dos anos graças à obras como “O Tigre e O Dragão” e “O Clã das Adagas Voadoras”, foram se tornando cada vez mais complexas e elaboradas. À esse repertório, a produção agrega também um característico acabamento visual herdado desses filmes citados, evocando um Oriente belíssimo, mitológico e estilizado. Esses predicados emolduram uma trama sobre laços familiares que introduz um personagem bastante interessante (e representativo) entre as fileiras do Universo Marvel; ao lado dos personagens já reconhecidos e ainda disponíveis (sem falar de outros mais que ainda virão), Shang-Shi deve protagonizar algumas aventuras individuais e coletivas no futuro.

Pode apostar.

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