sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Planeta dos Macacos


 Em algum momento, no largo espaço de tempo entre os filmes iniciados pelo clássico “Planeta dos Macacos”, de 1968 (cujo último exemplar, “A Batalha do Planeta dos Macacos”, foi lançado em 1973) e a nova e aclamada trilogia ‘estrelada’ por Andy Serkis como um símio digital –cujo capítulo final foi o excelente “O Planeta dos Macacos-A Guerra” –os estúdios da Fox tentaram realizar uma refilmagem do filme que iniciou toda essa mitologia.

A verdade é que durante muito tempo a Fox acarinhou um novo projeto –datam ao longo de toda a década de 1990 relatos de um contrato envolvendo o astro Arnold Shcwarzenegger no papel que antes havia sido de Charlton Heston. Como costuma ocorrer com produções endinheiradas demais e que envolvem agendas de astros requisitados, o novo “Planeta dos Macacos” não somente sofreu inúmeros atrasos como transformou-se radicalmente a medida que se revezavam diretores e atores principais em seu comando.

O filme que por fim chegou às telas de cinema naquele já longínquo ano 2000 aparentava ser quase uma repaginação do original com Charlton Heston –onde ele vive um astronauta que cai num planeta Terra povoado por macacos evoluídos –entretanto, mudanças que dizem respeito às mentes criativas por trás do projeto, converteram a aventura espacial em outra coisa; algo que, visto hoje e desprovido de qualquer continuidade que lhe amarrasse as pontas soltas, soa ainda mais incoerente do que em sua época.

Na direção –que, por muito tempo, cogitou-se James Cameron e Oliver Stone em suas especulações –quem disse sim ao estúdio acabou sendo o esteta Tim Burton que, num lance até surpreendente, construiu um filme de aventura, convencional e genérico em suas características autorais. Este “Planeta dos Macacos” é um dos trabalhos em que menos se percebe a assinatura visual de Burton, inconfundível em projetos como “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça”.

No papel protagonista do astronauta Leo Davidson, entra Mark Whalberg, uma escolha que parece absolutamente aleatória. Seguindo os passos do filme original, Davidson vive numa estação espacial em órbita de um vortex. Um dos macacos adestrados do lugar, chamado Pericles, é despachado numa nave e acidentalmente acaba sugado pelo vortex, levando Davidson à segui-lo a fim de resgatar o pobre animal, contudo, por uma série de tortuosas viagens no tempo (mais ainda tortuosas pela trama pouco convincente que originam), ele cai num planeta onde o macaco Pericles em questão caiu séculos antes dele (!), e a partir desse macaco, o patriarca, digamos assim, toda uma sociedade de macacos aflorou e se desenvolveu convertendo os humanos em seus escravos.

Uma trama muito semelhante à do primeiro filme que, no entanto, troca sua objetiva ficção científica por uma embromação pretensamente intrincada.

Ainda assim, é no planeta dos macacos, propriamente dito, que o filme de Burton revela suas duas maiores forças: A primeira –se é que depois de tanto tempo isso vem a importar –é a prodigiosa maquiagem, como tinha que ser, onde a parcela do elenco encarregada de personificar os símios tem seus rostos transformados pela autenticidade animal. Se a maquiagem já era um fator de assombro no clássico de 1968, aqui, neste filme de 2001, à cargo do mago das próteses Rick Baker (de “Um Lobisomem Americano em Londres”). ela é espantosa, convertendo rostos famosos, como Helena Bonhan Carter, Michael Clarke Duncan, Paul Giamatti, Kris Kristofferson, Cary Hiroyuki-Tagawa e até mesmo o próprio Charlton Heston (numa ponta referencial e especial) em perfeitos símios; e ainda assim, tal arrojo já soava anacrônico naquela época –naquele ano, ele perdeu o Oscar de Melhor Maquiagem (ao qual nem foi indicado!) para “O Senhor dos Anéis-A Sociedade do Anel” –justificando a mudança de ênfase, da maquiagem para os efeitos realísticos da captura de performance na tentativa seguinte, e mais bem-sucedida, de retomar a franquia.

O segundo grande trunfo do filme de Burton, termina sendo seu formidável vilão, o General Thade interpretado por Tim Roth, compreensivelmente irreconhecível debaixo de tanta maquiagem, mas cujo talento ainda foi capaz de moldar um antagonista complexo, raivoso, ameaçador e plenamente convincente na pele de um macaco autoritário, agressivo e déspota. O tirano, enfim, que captura Davidson junto dos outros humanos, sem dar-se conta de que será ele e seus conhecimentos extraordinários de humano evoluído, que iniciará uma insurreição onde os humanos tentarão escapar do jugo dos macacos.

É o General Thade, inclusive, o responsável pelo desfecho desconcertante, enigmático e francamente incompreensível do longa, elaborado claramente para competir em choque e surpresa com a revelação clássica na qual o planeta dos macacos é o Planeta Terra ao mostrar a cena desoladora da Estátua da Liberdade destroçada: Ao fim, Davidson usa de sua nave para partir desse novo planeta dos macacos (que NÃO era a Terra!) e volta ao nosso planeta, incerto quanto aos rumos que suas estripulias temporais efetuaram no futuro. Ao aterrissar, ele se depara com um mundo moderno (cai, por exemplo, em plena Washington dos dias atuais), entretanto, não são os humanos quem habitam esse mundo; são os macacos! Na última cena, pouco antes do filme de Burton nos abandonar sem quaisquer explicações plausíveis para o que aconteceu (sem nenhuma mesmo, visto que qualquer continuação que, por ventura, viesse a fornecer tal explicação jamais foi realizada), vemos a estátua de Abraham Lincoln no Lincoln Memorial, numa versão símia, e ali, quem está nela é o próprio General Thade.

Hoje, há quem aprecie o “Planeta dos Macacos” de Tim Burton –como há quem aprecie toda e qualquer obra que adquire algumas décadas de existência a medida que os expectadores aprendem, com o tempo, a focar nos seus pontos positivos que, neste caso, são as cenas de ação (elemento curioso para se destacar num filme de Burton), seu senso de aventura, suas características técnicas bem empregadas e a formidável tensão proporcionada por seu antagonista. Ainda que as analogias fornecidas pelo trabalho de Burton –e que sempre foram os objetivos subliminares desse brilhante conceito –tenham aqui soado mais caricatas do que alegóricas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário