Há um pouco de razão nisso; e tais reclamações
tendem a se intensificar ainda mais com este “Homem-Aranha Longe de Casa”.
Vindo de uma esteira de mais de vinte filmes, e
dando continuidade a um dos mais impactantes dentre eles (o absolutamente
espetacular “Vingadores-Ultimato”), o novo filme do Homem-Aranha padece de um
problema semelhante ao que acarretou em “Homem de Ferro 2”: Os realizadores,
conscientes de que sua narrativa particular integra todo um universo rico,
vasto e compartilhado, por vezes se esquecem de focar em seu protagonista e em
sua história afundando com frequência num mar de referências sobre
acontecimentos que já se sucederam –ou que ainda haverão de se suceder.
É difícil, por exemplo, abordar “Longe de Casa”
como uma narrativa independente –coisa que ele não é, e os críticos mais
vorazes terão de aceitar o fato que daqui para frente será assim –ele se inicia
meses após os acontecimentos de “Ultimato”, ou seja, depois de todas as pessoas
dizimadas pelo estalar de dedos de Thanos (fenômeno nomeado aqui como ‘Blip’)
serem novamente trazidas à vida –o que inclui o protagonista Peter Parker (Tom
Holland, mais adequado ao papel do que nunca) e quase todo seu séquito de
coadjuvantes; sua bela Tia May (Marisa Tomei), seu melhor amigo Ned (Jacob
Batalon), seu interesse amoroso M.J. (Zendaya), seu rival Flash Thompson (Tony
Revolori) e alguns outros.
Aqui, todo o núcleo estudantil daquele elenco
arruma as malas para um tour pela Europa –o que confere ao filme as belas
ambientações do Velho Continente como Veneza, Praga e Paris. Porém, é claro que
os planos de Peter –de conseguir se declarar em grande estilo à garota que ama
–serão frustrados por Nick Fury (Samuel L. jackson) que irá requisitar as
habilidades de sua identidade super-heróica; um dos poucos disponíveis após as
inúmeras baixas e desistências ocorridas em “Ultimato” (algumas delas mostradas
em um clip intencionalmente dramático, mas involuntariamente cômico, visto no
início).
Fury precisa do auxílio de Peter, ou melhor, do
Homem-Aranha, porque gigantescas criaturas desconhecidas, os Elementais, apareceram
no mundo criando caos e destruição. O único a se opor a elas vem a ser Quentin
Beck (Jake Gyllehhaal, ótimo), segundo o próprio, um superherói vindo de uma
realidade paralela ostentando poderes que fazem dele o único salvador à mão
–Peter seria assim uma espécie de ajudante.
Até quase a metade de sua duração, “Longe de
Casa” divide-se assim entre as tentativas algo atrapalhadas de Peter em ser um
adolescente normal –tentando flertar com M.J., inventando estratagemas elaborados
para encobrir sua vida dupla ou simplesmente buscando se desvencilhar das
exigências de Fury –e seus esforços para conter a ameaça dos Elementais ao lado
de Quentin Beck.
No entanto, não é surpresa para ninguém que
tenha lido quadrinhos ou tenha um mínimo de conhecimento da mitologia do
Homem-Aranha que Quentin Beck é, na verdade, o vilão ilusionista Mysterio –e
essa revelação não tarda a ocorrer dando uma guinada até previsível, mas
bastante interessante à trama; tão mais interessante pela maneira orgânica com
que os roteiristas souberam enraiza-la no contexto do Universo Marvel dando,
inclusive, ao Mysterio toda uma funcionalidade cinematográfica que chega a nos
fazer perguntar por que esse antagonista não havia sido aproveitado antes.
Como pano de fundo, as paisagens européias de
cartão-postal.
Há outro pano de fundo também: A ressonar como
um dos empuxos morais e sentimentais da trama está o tempo todo a lembrança de
que Tony Stark, o mentor de Peter Parker, não vive mais; e o peso (um tanto
quanto grande para o jovem rapaz) de que é ele quem deve herdar agora esse
legado.
Eis aí, portanto, um dos motivos para a maior
grita dos fãs mais devotados do Aranha: A de que Tony Stark ocupa aqui o papel
existencial que seria de direito e de fato do Tio Ben nesta nova versão do
herói –o exemplo de sacrifício, heroísmo e responsabilidade que o empurra para
frente e o motiva a continuar sendo o Homem-Aranha.
Da forma como é concebido, o filme paga um
tributo desmedido ao herói tombado e, na opinião de alguns, descaracteriza seu
protagonista real: “Longe de Casa” segue os tópicos narrativos dos dois
primeiros filmes do Homem de Ferro (dirigidos por Jon Favreau que aliás tem
aqui um papel também ele fundamental), com tamanha preservação de referências e
analogias que Peter quase deixa de ser o Homem-Aranha para ser uma espécie de
Homem de Ferro Jr.(!)
Quase. Porque uma série de elementos genuínos
do herói ainda estão lá. Porque Tom Holland é encantador e inescapavelmente
certeiro em sua personificação. E porque o diretor Jon Watts compreende aqui de
maneira ainda melhor que em “Homem-Aranha De Volta Ao Lar” que aquilo que
define o herói é sua condição perene e periclitante de um ser humano falho
passível de se meter em enrascadas mais do que em escapar delas, e com todos
esses atributos a lhe pesar ainda tenta salvar o dia e seus entes queridos.
A lição primordial –e à
época inovadora –deixada pelo criador Stan Lee, que o Homem-Aranha incorpora
como nenhum outro e que a Marvel Studios (mais que qualquer outra produtora)
compreende como ninguém.
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