segunda-feira, 15 de julho de 2019

Homem-Aranha - Longe de Casa

Apesar do jovem Tom Holland ser o intérprete que melhor reuniu as características de Peter Parker/Homem-Aranha no cinema, muitos foram os que torceram o nariz para a versão do personagem inserida no Universo Marvel Cinematográfico, sob a alegação de que ele foi descaracterizado, perdendo muito de sua essência ao ser atrelado ao Homem de Ferro de Tony Stark, o que deixou de lado certos elementos seus tidos por determinantes.
Há um pouco de razão nisso; e tais reclamações tendem a se intensificar ainda mais com este “Homem-Aranha Longe de Casa”.
Vindo de uma esteira de mais de vinte filmes, e dando continuidade a um dos mais impactantes dentre eles (o absolutamente espetacular “Vingadores-Ultimato”), o novo filme do Homem-Aranha padece de um problema semelhante ao que acarretou em “Homem de Ferro 2”: Os realizadores, conscientes de que sua narrativa particular integra todo um universo rico, vasto e compartilhado, por vezes se esquecem de focar em seu protagonista e em sua história afundando com frequência num mar de referências sobre acontecimentos que já se sucederam –ou que ainda haverão de se suceder.
É difícil, por exemplo, abordar “Longe de Casa” como uma narrativa independente –coisa que ele não é, e os críticos mais vorazes terão de aceitar o fato que daqui para frente será assim –ele se inicia meses após os acontecimentos de “Ultimato”, ou seja, depois de todas as pessoas dizimadas pelo estalar de dedos de Thanos (fenômeno nomeado aqui como ‘Blip’) serem novamente trazidas à vida –o que inclui o protagonista Peter Parker (Tom Holland, mais adequado ao papel do que nunca) e quase todo seu séquito de coadjuvantes; sua bela Tia May (Marisa Tomei), seu melhor amigo Ned (Jacob Batalon), seu interesse amoroso M.J. (Zendaya), seu rival Flash Thompson (Tony Revolori) e alguns outros.
Aqui, todo o núcleo estudantil daquele elenco arruma as malas para um tour pela Europa –o que confere ao filme as belas ambientações do Velho Continente como Veneza, Praga e Paris. Porém, é claro que os planos de Peter –de conseguir se declarar em grande estilo à garota que ama –serão frustrados por Nick Fury (Samuel L. jackson) que irá requisitar as habilidades de sua identidade super-heróica; um dos poucos disponíveis após as inúmeras baixas e desistências ocorridas em “Ultimato” (algumas delas mostradas em um clip intencionalmente dramático, mas involuntariamente cômico, visto no início).
Fury precisa do auxílio de Peter, ou melhor, do Homem-Aranha, porque gigantescas criaturas desconhecidas, os Elementais, apareceram no mundo criando caos e destruição. O único a se opor a elas vem a ser Quentin Beck (Jake Gyllehhaal, ótimo), segundo o próprio, um superherói vindo de uma realidade paralela ostentando poderes que fazem dele o único salvador à mão –Peter seria assim uma espécie de ajudante.
Até quase a metade de sua duração, “Longe de Casa” divide-se assim entre as tentativas algo atrapalhadas de Peter em ser um adolescente normal –tentando flertar com M.J., inventando estratagemas elaborados para encobrir sua vida dupla ou simplesmente buscando se desvencilhar das exigências de Fury –e seus esforços para conter a ameaça dos Elementais ao lado de Quentin Beck.
No entanto, não é surpresa para ninguém que tenha lido quadrinhos ou tenha um mínimo de conhecimento da mitologia do Homem-Aranha que Quentin Beck é, na verdade, o vilão ilusionista Mysterio –e essa revelação não tarda a ocorrer dando uma guinada até previsível, mas bastante interessante à trama; tão mais interessante pela maneira orgânica com que os roteiristas souberam enraiza-la no contexto do Universo Marvel dando, inclusive, ao Mysterio toda uma funcionalidade cinematográfica que chega a nos fazer perguntar por que esse antagonista não havia sido aproveitado antes.
Como pano de fundo, as paisagens européias de cartão-postal.
Há outro pano de fundo também: A ressonar como um dos empuxos morais e sentimentais da trama está o tempo todo a lembrança de que Tony Stark, o mentor de Peter Parker, não vive mais; e o peso (um tanto quanto grande para o jovem rapaz) de que é ele quem deve herdar agora esse legado.
Eis aí, portanto, um dos motivos para a maior grita dos fãs mais devotados do Aranha: A de que Tony Stark ocupa aqui o papel existencial que seria de direito e de fato do Tio Ben nesta nova versão do herói –o exemplo de sacrifício, heroísmo e responsabilidade que o empurra para frente e o motiva a continuar sendo o Homem-Aranha.
Da forma como é concebido, o filme paga um tributo desmedido ao herói tombado e, na opinião de alguns, descaracteriza seu protagonista real: “Longe de Casa” segue os tópicos narrativos dos dois primeiros filmes do Homem de Ferro (dirigidos por Jon Favreau que aliás tem aqui um papel também ele fundamental), com tamanha preservação de referências e analogias que Peter quase deixa de ser o Homem-Aranha para ser uma espécie de Homem de Ferro Jr.(!)
Quase. Porque uma série de elementos genuínos do herói ainda estão lá. Porque Tom Holland é encantador e inescapavelmente certeiro em sua personificação. E porque o diretor Jon Watts compreende aqui de maneira ainda melhor que em “Homem-Aranha De Volta Ao Lar” que aquilo que define o herói é sua condição perene e periclitante de um ser humano falho passível de se meter em enrascadas mais do que em escapar delas, e com todos esses atributos a lhe pesar ainda tenta salvar o dia e seus entes queridos.
A lição primordial –e à época inovadora –deixada pelo criador Stan Lee, que o Homem-Aranha incorpora como nenhum outro e que a Marvel Studios (mais que qualquer outra produtora) compreende como ninguém.

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