segunda-feira, 15 de julho de 2019

O Diabo, A Carne e O Mundo

Existe algo de incrivelmente fascinante na imagem do protagonista totalmente sozinho a perambular pelos escombros de um lugar outrora civilizado, agora abandonado. Essa premissa poderosa inspirou obras memoráveis como “A Última Esperança da Terra”, bem como sua refilmagem “Eu Sou A Lenda” (que ao escalar Will Smith como seu solitário personagem principal estabeleceu uma estreita analogia com este filme), o magnífico “A Estrada”, o neo-zelandês “Terra Tranquila” ou o romance espacial “Passageiros”, entre outros.
Em 1959, essa visão certamente soou desafiadora nesta obra extraordinária que não apenas vislumbra a solidão absoluta do homem diante da concretização de seus medos maiores, mas também estabelece uma observação repleta de significados acerca das dinâmicas raciais que começavam a ganhar cada vez mais pauta nas discussões de então.
O impecável Harry Belafonte vive Ralp Burton, um operário criativo e apto ao improviso que se vê em apuros quando fica preso dentro de uma mina após um desmoronamento.
Alternando entre desespero, euforia e resiliência, Ralph espera o socorro aparecer ao longo de cinco dias, até dar um basta e decidir sair dali por si só. Contudo, o mundo que encontra do lado de fora agora é outro; e justifica do porque ninguém foi em seu auxílio: Indícios aqui e ali mostram que uma guerra nuclear eclodiu, e as testemunhas imediatas da catástrofe pereceram ante a ameaça radioativa.
Agora, Ralph caminha por um mundo desabitado, silencioso, no qual não se enxerga uma viva alma –as cenas que se seguem, assim, com o ator Harry Belafonte andando pelas ruas de uma Nova York surreal em seu vazio e quietude são assombrosas.
Entretanto, em meio ao processo de absorver e aceitar as condições desse novo mundo em que se descobre sobrevivente, Ralph acaba percebendo que não é o único ser humano vivo ali; em algum momento, ele encontra a jovem Sarah Candrall (Inger Stevens) que, como ele, estava no lugar certo e na hora certa (no caso, um abrigo providencial), o que permitiu-lhe sobreviver à catástrofe.
Acompanhados apenas um do outro, Ralph e Sarah experimentam uma hesitante aproximação –ele é negro, ela é branca; e no empecilho mais existencial do que factual que o romance encontra para se esboçar o diretor Ranald MacDougall descobre aquilo que desejava trabalhar de fato.
Mesmo sozinhos e sem ninguém por perto para lhes julgar, Ralph e Sarah sentem o obstáculo da consciência racial que os separa –ele muito mais do que ela.
Um terceiro personagem, Ben (Mel Ferrer), surge tão somente para aprofundar e dramatizar ainda mais esse dilema. Sobrevivente em uma balsa no rio Hudson, ele logo se mostra interessado em Sarah após se recuperar; e na posição privilegiada de homem branco, não tem quaisquer pudores em deixá-la saber disso.
Há, porém, um vínculo entre Sarah e Ralph que não permite que ela opte por Ben, nem mesmo quando o próprio Ralph sugere a ela ceder –e disso, Ben se ressente, terminando por travar com Ralph uma espécie de duelo que se inicia verbal e velado, mas termina com ambos de armas em punho procurando um pelo outro nas ruas de Nova York.
Uma das primeiras produções a abordar um futuro pós-apocalíptico, “O Diabo, A Carne e O Mundo” vale-se de sua impressionante ambientação e de seus três ótimos protagonistas para dissertar sobre as distinções banais que nos atribuímos em sociedade, sobre os perigos onipresentes que sempre rondam nossa civilização e sobre os impulsos irrefreáveis do amor.
Uma obra a ser aplaudida de pé.

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