Existe algo de incrivelmente fascinante na
imagem do protagonista totalmente sozinho a perambular pelos escombros de um
lugar outrora civilizado, agora abandonado. Essa premissa poderosa inspirou
obras memoráveis como “A Última Esperança da Terra”, bem como sua refilmagem
“Eu Sou A Lenda” (que ao escalar Will Smith como seu solitário personagem
principal estabeleceu uma estreita analogia com este filme), o magnífico “A Estrada”, o neo-zelandês “Terra Tranquila” ou o romance espacial “Passageiros”,
entre outros.
Em 1959, essa visão certamente soou desafiadora
nesta obra extraordinária que não apenas vislumbra a solidão absoluta do homem
diante da concretização de seus medos maiores, mas também estabelece uma
observação repleta de significados acerca das dinâmicas raciais que começavam a
ganhar cada vez mais pauta nas discussões de então.
O impecável Harry Belafonte vive Ralp Burton,
um operário criativo e apto ao improviso que se vê em apuros quando fica preso
dentro de uma mina após um desmoronamento.
Alternando entre desespero, euforia e
resiliência, Ralph espera o socorro aparecer ao longo de cinco dias, até dar um
basta e decidir sair dali por si só. Contudo, o mundo que encontra do lado de
fora agora é outro; e justifica do porque ninguém foi em seu auxílio: Indícios
aqui e ali mostram que uma guerra nuclear eclodiu, e as testemunhas imediatas
da catástrofe pereceram ante a ameaça radioativa.
Agora, Ralph caminha por um mundo desabitado,
silencioso, no qual não se enxerga uma viva alma –as cenas que se seguem,
assim, com o ator Harry Belafonte andando pelas ruas de uma Nova York surreal
em seu vazio e quietude são assombrosas.
Entretanto, em meio ao processo de absorver e
aceitar as condições desse novo mundo em que se descobre sobrevivente, Ralph
acaba percebendo que não é o único ser humano vivo ali; em algum momento, ele
encontra a jovem Sarah Candrall (Inger Stevens) que, como ele, estava no lugar
certo e na hora certa (no caso, um abrigo providencial), o que permitiu-lhe
sobreviver à catástrofe.
Acompanhados apenas um do outro, Ralph e Sarah
experimentam uma hesitante aproximação –ele é negro, ela é branca; e no empecilho
mais existencial do que factual que o romance encontra para se esboçar o
diretor Ranald MacDougall descobre aquilo que desejava trabalhar de fato.
Mesmo sozinhos e sem ninguém por perto para
lhes julgar, Ralph e Sarah sentem o obstáculo da consciência racial que os
separa –ele muito mais do que ela.
Um terceiro personagem, Ben (Mel Ferrer), surge
tão somente para aprofundar e dramatizar ainda mais esse dilema. Sobrevivente
em uma balsa no rio Hudson, ele logo se mostra interessado em Sarah após se recuperar;
e na posição privilegiada de homem branco, não tem quaisquer pudores em
deixá-la saber disso.
Há, porém, um vínculo entre Sarah e Ralph que
não permite que ela opte por Ben, nem mesmo quando o próprio Ralph sugere a ela
ceder –e disso, Ben se ressente, terminando por travar com Ralph uma espécie de
duelo que se inicia verbal e velado, mas termina com ambos de armas em punho
procurando um pelo outro nas ruas de Nova York.
Uma das primeiras produções a abordar um futuro
pós-apocalíptico, “O Diabo, A Carne e O Mundo” vale-se de sua impressionante
ambientação e de seus três ótimos protagonistas para dissertar sobre as
distinções banais que nos atribuímos em sociedade, sobre os perigos
onipresentes que sempre rondam nossa civilização e sobre os impulsos
irrefreáveis do amor.
Uma obra a ser aplaudida de
pé.
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