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sábado, 27 de julho de 2024

Deadpool & Wolverine


 E já aviso de antemão, leitor ocasional ou não, este texto contém os famigerados spoilers, logo, se você aprecia uma experiência cinematográfica com surpresas intactas, leia depois de ter visto o filme!

Após os eventos de “Deadpool 2”, o mercenário Wade Wilson, mais conhecido como Deadpool (Ryan Reynoldos, desempenhando em estado de graça como sempre) procura por Happy Hogan (Jon Favreau) a fim de ingressar nos Vingadores –naquela época, 2018, vale lembrar, além dos acontecimentos de “Deadpool 2”, ainda estávamos às vésperas dos eventos bombásticos de “Vingadores-Guerra Infinita”. Durante a cena –que mais lembra uma mera entrevista de emprego –Happy convence Wade de que ele não necessariamente leva jeito para ser superherói (não no sentido altruísta do termo) e acaba convencendo-o a aposentar seu uniforme. De volta à sua realidade (para a qual ele pode ir e voltar graças ao aparelho fornecido por Cable em “Deadpool 2”, diga-se), Wade se torna um vendedor de carros e assim passam-se seis anos.

É no aniversário de Wade –no qual, providencialmente se reúnem os seus melhores amigos, ou seja, os coadjuvantes que estiveram ao lado dele em seus dois filmes –que o filme, agora dirigido por Shawn Levy, começa de verdade: Wade é visitado por agentes da AVT (Agência de Variância Temporal, mostrada na série “Loki”) e levado até sua sede onde recebe do funcionário Paradox (Matthew McFadyen, de "Orgulho e Preconceito") uma notícia indigesta. O seu universo (que corresponde ao universo mais ou menos bagunçado de filmes da Fox) está morrendo! Segundo Paradox, todo universo tem uma ‘âncora’, um ser tão essencial àquela realidade que sua morte pode levar à desintegração de todo o universo. A ‘âncora’ do universo de Wade morreu –no caso, Wolverine (vivido como todo mundo sabe, com excelência por Hugh Jackman, há uns vinte anos), no filme “Logan”. Dessa forma, Wade, agora uma vez mais dentro do traje de Deadpool, precisa quebrar as regras da própria AVT (que o tinha levado para lá a fim de chamá-lo a integrar a Linha Sagrada, isto é, o universo oficial do MCU) para encontrar nas infinitas realidades alternativas do multiverso, um substituto apropriado, uma ‘âncora’ que substitua aquela que seu universo perdeu –em outras palavras, um outro Wolverine!

E começam aí, então, o festival de referências que fazem de “Deadpool & Wolverine” uma obra assim tão sedutora: Nas variações de Wolverine que acompanhamos Deadpool encontrar com tanta descontração, vemos versões em live-action de segmentos que farão a felicidade dos fãs de quadrinhos como o Wolverine extraído de “A Era do Apocalypse” (na qual ele não possui uma das mãos!); a versão conhecida como ‘Caolho’; uma versão interpretada pelo ex-Superman Henry Cavill (!); uma recriação de sua primeira aparição nas HQs, quando enfrentou o Hulk; e até mesmo a recriação de uma das capas clássicas das revistas, onde foi crucificado num imenso X de madeira. Ao fim dessa busca, resta somente uma versão apropriada de Wolverine para Deadpool levar consigo, uma versão renegada (ainda que trajando, enfim, o icônico colante amarelo dos quadrinhos e das animações), junto da qual ele retorna à AVT, somente para serem enviados por Paradox ao Voidt, ou Vazio –se você assistiu a série “Loki”, então sabe que trata-se de uma dimensão onde são despejados os sobreviventes indesejados de realidades condenadas que, por algum motivo ou outro, conseguem escapar da eventual obliteração.

Contudo, o Voidt agora está diferente: Por conta de acontecimentos bem reais (no caso, a compra dos estúdios da 20th Century Fox pela própria Walt Disney Company e, portanto, a aquisição desta de todas as propriedades intelectuais daquele estúdio), o Voidt está repleto de personagens oriundos do Universo Marvel da Fox nos cinemas, que reúne os filmes dos X-Men, (num total de onze filmes) os do Quarteto Fantástico (ambas as versões de 2005 e 2015) e os do Deadpool. E claro que, com  isso, o filme de Shawn Levy não haverá de desperdiçar a oportunidade de entregar sequências extasiantes aos expectadores, que apelam ao fã com aparições surpresas (algumas absolutamente sensacionais) capazes de despertar a mesma euforia indescritível que algumas cenas de “Vingadores-Ultimato” o fizeram há cinco anos atrás.

Embora seja uma obra longe da perfeição –e muitos críticos sisudos já correram apontar isso, destacando como exemplo a superficialidade do roteiro em inúmeros trechos, ignorando o fato de que as filmagens de “Deadpool & Wolverine” se sucederam durante a greve dos roteiristas de Hollywood em 2023, o que impediu muitas cenas de ganharem o devido polimento –o filme de Shawn Levy ainda assim tem bom senso e perspicácia o suficiente para sinalizar ao público com tudo aquilo que funcionou muito bem antes deles: O humor incontido e inconsequente de seu irreprimível protagonista (o filme tem a mais alta classificação indicativa permitida pela Marvel Studios até então); as referências inúmeras, algumas um tanto difíceis de se apanhar pelos não-iniciados nos filmes desse certamente vasto universo de heróis; e as sequências vibrantes, feitas para entregar instantes, situações e manobras muito esperadas e almejadas pelos fãs de carteirinha que provavelmente sairão acalentados e saciados do cinema, como há muito tempo não faziam, sob a alegação de que a Marvel havia perdido o jeito para agradar seu público.

“Deadpool & Wolverine” vem provar que não: Ainda há muitas emoções e surpresas a serem entregues ao público. Desde que sejam concebidas por artesões absolutamente capazes e competentes, e tão apaixonados pelo material que manejam quanto seus fiéis expectadores.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Homem-Aranha - Sem Volta Para Casa


 Spoilers são um fenômeno curioso. Há quem odeie recebê-los, preferindo a surpresa de descobrir tudo o que o filme tem a oferecer... bem, durante o próprio filme! Há quem não se importe com eles. Há aqueles que têm tanto prazer em dar spoilers aos outros que o ato de assistir ao filme acaba sendo uma satisfação secundária; eles gostam mesmo é de poder, depois, contar os segredos do filme a quem ainda não o viu. No cinema moderno, com narrativas como as de M. Night Shyamalan e seus finais-surpresa e a acessibilidade de informação da internet, os spoilers se tornaram um perigo para quem almeja uma experiência cinematográfica absolutamente pura, despida de interferências.

No caso de “Homem-Aranha Sem Volta Para Casa”, aqueles expectadores que não forem conferir o filme em seus primeiros dias de exibição nos cinemas (na verdade, até mesmo eles!) correm o risco de receber uma avalanche de spoilers. Terceiro longa-metragem da trilogia solo do Homem-Aranha desde que ele passou a ser interpretado por Tom Holland e a integrar o Universo Marvel Cinematográfico –além da participação em outros filmes –“Sem Volta Para Casa” chega tão carregado de novidades espantosas e eletrizantes, tão repleto de momentos planejados com o objetivo de serem inesquecíveis e, ao mesmo tempo, tão sensacional e embriagante em seu ineditismo e empolgação que representa um desafio para qualquer um chegar  às salas sem saber nada sobre ele.

Iniciando arrojadamente na cena pós-créditos com a qual encerrou (sem muito encerrar...) a trama de “Homem-Aranha Longe de Casa”, “Sem Volta Para Casa” segue seu protagonista Homem-Aranha\Peter Parker (Tom Holland) no momento em que foi revelada, em cadeia nacional pelo próprio J. Jonah Jameson em pessoa (J.K. Simmons), a identidade secreta do herói. Sendo esta a terceira personificação do personagem nos cinemas (as anteriores foram vividas por Tobey Maguire e por Andrew Garfield), por vezes o diretor Jon Watts se viu obrigado a adaptar arcos narrativos diferenciados dos quadrinhos a fim de não se repetir. No primeiro (“De Volta Ao Lar”), sob forte referência dos longas de John Hugues, ele acompanhou a rotina escolar de Peter e sua fase no ensino médio, lutando para desvencilhar-se das obviedades de uma trama (já contada) de origem. No segundo (o já citado “Longe de Casa”), ele contou uma aventura descompromissada a girar em torno de férias na Europa. Nos dois casos, a Marvel Studios enfrentou críticas justamente por fugir das características que definiam o Homem-Aranha enquanto personagem e que o atrelavam em demasia à heróis como o Homem-de-Ferro tirando-lhe certa individualidade –a despeito da ótima atuação de Tom Holland.

“Sem Volta Para Casa” vem para rebater cada um desses protestos: Ele é tão original, tão ágil e incisivo, tão consciente dos elementos icônicos que manuseia que provavelmente não tardará a se sagrar como um dos melhores (ou O melhor) filmes em live-action do Homem-Aranha –e Tom Holland, seu intérprete mais consistente e definitivo.

O fio narrativo que conduz a esse enredo tão cheio de surpresas começa quando Peter, farto de ver seus amigos, M.J. (a cada vez mais maravilhosa Zendaya) e Ned (Jacob Batalon) sofrerem por terem contato com o Homem-Aranha, resolve procurar a intervenção mística do Doutor Estranho (Benedict Cumberbath) para que, com um feitiço, ele apague da memória de todo o mundo que Peter é o Homem-Aranha. Contudo, algo dá errado, e o feitiço mexe com o conceito que, encerrada a Saga de Thanos com o magnífico “Vingadores-Ultimato”, deve nortear a próxima saga a conectar os filmes da Marvel: O Multiverso –já abordado na minissérie “Loki”, da plataforma Disney Plus. Resumindo: Agora, os vilões vindos de outras realidades alternativas –como Dr. Octopus e Duende Verde, vividos magistralmente por Alfred Molina e Willen Dafoe dos mesmos filmes com Tobey Maguire –aparecem na realidade do Universo Marvel, complicando a vida do herói e ameaçando vidas. São um total de cinco (já vistos nos trailers): Além de Dr. Octopus e Duende, também o Electro (Jamie Foxx, num personagem melhor desenvolvido do que foi em “O Espetacular Homem-Aranha 2”), o Lagarto (Rhys Ifans) e o Homem-Areia (Thomas Aden Church).

A união de todas essas pontas soltas é indicativa do brilhantismo do trabalho de Jon Watts que –se não agradou a gregos e troianos nos dois filmes anteriores –conseguiu superar-se neste daqui, entregando um trabalho onde honra seu personagem extinguindo qualquer margem para questionamentos quanto a sua fidelidade aos quadrinhos, fazendo deste terceiro filme o arco final onde, em retrospecto, podemos enxergar esta como uma ‘trilogia de origem’ do personagem, ao mesmo tempo que o coloca numa nova, inesperada e possivelmente promissora trajetória de vida adulta, sem evitar, desta vez, os momentos mais sombrios que coloquem à prova justamente sua fibra moral como super-herói.

É tentador, para qualquer resenhista deste filme, revelar as surpresas arrebatadoras que “Sem Volta Para Casa” entrega praticamente o tempo todo durante suas nada modestas duas horas e meia de duração (algumas ombreiam os momentos antológicos de “Ultimato”), entretanto, seria um pecado: Sua experiência é tão vívida, tão assombrosamente sensorial, emocional e mágica que todos merecem a chance que conferi-la nos cinemas livres de spoilers. No que depender de mim, está feito, no entanto, meu conselho é: Corra para vê-lo (e maravilhar-se) o quanto antes!

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Demolidor - O Homem Sem Medo


 Estrelado por Ben Affleck e por Jennifer Garner antes de terem se tornado um casal (e depois se separado...), “Demolidor-O Homem Sem Medo”, apesar de lançado num não tão longínquo 2003, é um filme que, pode-se dizer, pertence a uma outra época. Não havia ainda a Marvel Studios e seu universo compartilhado –o todo poderoso produtor da Marvel hoje, Kevin Feigi, comparece numa modesta função de produtor executivo –e certamente, não havia a aclamada série da Netflix, “Demolidor”, estrelada por Charlie Cox, com a qual o personagem é mais merecidamente relacionado. Mais até: Não existia ainda uma fórmula específica para adaptar histórias em quadrinhos para o cinema com garantia de êxito e integridade artística; haviam sido lançados, poucos anos antes, o “X-Men” de Brian Singer, e o “Homem-Aranha”, de Sam Raimi; “X-Men 2” e “Hulk”, de Ang Lee, seriam lançados naquele mesmo ano.

Por sinal, é o primeiro filme do Homem-Aranha de Raimi que exerce curiosa influência sobre este trabalho do diretor Mark Steven Johnson (de “Quando Em Roma”): Bastante relacionado com o aracnídeo nos quadrinhos por também possuir virtudes acrobáticas, o Demolidor ganhou, depois do imenso sucesso do filme estrelado por Tobey Maguire, uma injeção de orçamento dos Estúdios Fox para que fossem turbinados seus efeitos especiais onde era visto balançando pelos prédios de Nova York, além de um upgrade nas lutas de artes marciais cuja influência, por sua vez, vinha de “Matrix” e de “O Tigre e O Dragão” –até então, o projeto era encarado como uma produção de baixo-orçamento e, por conta disso, dotada de uma classificação mais flexível que o fazia propício a ter doses mais generosas de violência.

O resultado é que “Demolidor”, inclusive por conta do amadorismo vez ou outra flagrante de seu diretor, mal se equilibra entre a obra mais transgressiva que queria ser e a realização mais pretensiosa que passou a almejar.

Nessas condições somos apresentados a Matt Murdock, rapaz que, num breve flashback que domina os primeiros trinta minutos de filme, é visto perdendo a visão num acidente radioativo ainda criança (interpretado então por Scott Terra, de “Malditas Aranhas”). Entretanto, ele ganha, no processo, habilidades sobre-humanas: Sentidos ampliados que o permitem compensar a cegueira com uma percepção sem igual, onde pode até mesmo ler as emoções alheias ao ouvir os batimentos cardíacos (!).

Com a morte de seu pai, um boxeador do bairro nova-iorquino de Hell’s Kitchen, pelas mãos de gangsters inescrupulosos, Murdock divide sua vida adulta em duas ocupações: Como advogado formado, ele atende de dia clientes oprimidos pelos empresários à frente de sua firma onde tem como sócio o fanfarrão Foggy Nelson (vivido por Jon Favreau, o diretor do primeiro “Homem de Ferro” alguns anos depois). Já à noite, Murdock (que, à propósito, ostenta a musculatura e a pose de galã de Ben Affleck) esconde sua identidade por trás da máscara do vigilante Demolidor, para caçar os bandidos que a justiça meramente não foi capaz de punir, valendo-se de suas habilidades incomuns.

Em algum momento, tanto Matt Murdock, o advogado, quanto Demolidor, o vigilante, chamam a atenção do insidioso Wilson Fisk, o Rei do Crime (interpretado pelo saudoso Michael Clarke Duncan, chapa de Ben Affleck desde que fizeram juntos “Armaggedon”) que coloca no encalço deles –sem inicialmente saber que são a mesma pessoa –o assassino de aluguel conhecido como Mercenário (o ótimo Colin Farrell, então começando a chamar a atenção de Hollywood).

Contudo, o que vira mesmo o mundo do Demolidor de ponta-cabeça é quando Murdock se envolve com a instável Elektra Natchos (Jennifer Garner, recém-saída da série “Aliás-Codinome Perigo”) que, embora enamorada dele nutre um desejo de vingança por seu alter-ego, Demolidor, crente de que foi ele quem matou seu pai.

Ávido por adaptar diversos pontos antológicos da trajetória do Demolidor dos quadrinhos, todos concebidos pela mente genial do roteirista Frank Miller –e, de fato, essas passagens estão todas lá! –o filme de Mark Steven Johnson exibe um roteiro precipitado, inclinado a várias redundâncias que alcançam os momentos almejados sem no entanto elaborá-los com mais primazia; exatamente o oposto do que os quadrinhos conseguiam fazer.

Há potencial pleno e constante em “Demolidor”, e ele é sistematicamente sabotado pela pouca solidez de sua direção, que entrega momentos bastante simplórios, contaminados por diversas opiniões divergentes que foram moldando a produção: De um lado, os executivos da Marvel e sua intenção de preservar o personagem dos quadrinhos (e nesse sentido, a manutenção do fidelíssimo traje do herói é digna de aplausos), de outro, a limitada capacidade do diretor em manter suas convicções e a vontade dos produtores em esculpir um filme de sucesso com concessões mais genéricas de narrativa convencional. Como dito no início, “Demolidor-O Homem Sem Medo” pertence a uma outra época. É difícil hoje assisti-lo sem relacionar seu resultado mambembe e claudicante com a excelência à toda prova das três primorosas temporadas da série da Netflix –na qual não apenas Charlie Cox é um Matt Murdock/Demolidor impecável, como também Vincent D’Onofrio entrega uma atuação insuperável como Rei do Crime –e, mesmo à época, o filme não era nenhuma obra-prima sendo apreciado por uma parcela do público mais como uma espécia de ‘prazer culposo’, um trabalho imperfeito cujos lapsos descabidos acrescentavam divertimento ao todo.

Hoje, todo mundo parece ter superado “Demolidor”: O Estúdio Fox (que já nem existe mais, tendo sido comprado pela Disney) lançou uma ‘versão do diretor’ em DVD (que enfatizava aspectos mais soturnos de algumas sub-tramas e enxugava certas redundâncias) e, anos mais tarde, produziu “Elektra”, um derivado de qualidade discutível focado na personagem de Jennifer Garner; Ben Affleck, embora tivesse certa esperança de uma continuação naqueles anos, desencanou e agora é mais lembrado como intérprete do Batman no mais recente “Liga da Justiça” (embora, também isso, não tenho dado muito certo); a Marvel, agora consolidada como estúdio, tem os direitos do Demolidor mais uma vez, e os fãs aguardam a qualquer momento por uma nova adaptação, talvez estrelada pelo bom Charlie Cox; já, Mark Steven Johnson realizou depois “Motoqueiro Fantasma”, com Nicolas Cage, além do outros projetos que só confirmaram sua falta de talento.

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

O Rei Leão

É difícil falar de “O Rei Leão” considerando-o como um filme normal, de origem normal –ao empreender as já famosas versões live-actions de suas aclamadas animações clássicas, a Disney criou uma categoria de obras que já vêm atreladas à uma realização anterior.
No caso de “O Rei Leão” –confiado ao diretor Jon Favreau após sua perspicaz demonstração de competência e sensibilidade em “Mogli-O Menino Lobo” –essa espécie de dependência se dá porque a obra refilmada em questão, de 1994, nem é tão antiga assim (“Mogli”, a animação, datava de 1967, cinquenta anos, portanto, antes do filme), estando ainda muito fresca na memória de seu público alvo; inclusive, porque as mídias digitais permitiram que alguns filmes se mantivessem populares e relevantes ao longo dos anos, sendo “O Rei Leão” um deles.
A pergunta que não tarda a aparecer é, assim, a mesma que assombra toda essa iniciativa da Disney: Por qual razão refilmar obras que, em sua maioria, passaram à crônica como grandes e não raro irretocáveis trabalhos?
A resposta mais válida e imediata é a gorda bilheteria que muitas dessas produções conquistaram, porque, a rigor, não existem muitos outros méritos a serem encontrados.
Certamente assolado por todas essas inquietações durante este projeto, o diretor Jon Favreau refaz a animação quase frame a frame (bem diferente de seu trabalho em “Mogli”, no qual fez algumas modificações bem pontuais na trama), inserindo no lugar da animação tradicional animais gerados por computação de um hiper-realismo tal que chega a lembrar alguns documentários da “National Geographic”; o que refuta, por definição, o próprio termo live-action, uma vez que, como na animação, não existem personagens nem encenação humana aqui.
Primogênito do rei dos animais Mufasa (cuja voz estrondosa fica mais uma vez a cargo de James Earl Jones), o pequeno Simba, ainda filhote, cai nas artimanhas malignas elaboradas pelo tio, Scar, amargurado pelo fato da sucessão ao ‘trono’ não lhe privilegiar –e, nesse enredo básico se enxerga, em linhas evidentes, a aspiração à “Hamlet”, de William Shakespeare, almejada tanto na animação quanto agora no filme.
Essa continuará sendo a orientação da trama quando uma cilada terrível perpetrada por Scar levar à morte de Musafa; na recriação da famosa cena do estouro da manada de gnus que, embora ostente o primor técnico esperado falha no quesito de surpresa e assombro que tornava a animação, na sua época, inesquecível.
Tornado um renegado –afinal, a culpa pela morte do próprio pai recaiu sobre seus ombros –Simba foge para longe deixando Scar reinar e refugiando-se nas irrequietas companhias dos desocupados Timão e Pumba, os divertidíssimos alívios cômicos do filme.
Contudo, em algum momento, a herança e o passado de Simba irão exigir que ele reconheça suas responsabilidades, e retorne para confrontar Scar.
Em toda a extensão do filme não faltam as célebres canções pelas quais “O Rei Leão” se tornou famoso: Lá estão “Circle Of Life”, “Hakuna Matata”, “Can You Feel The Love Tonight” e outras, refeitas com a sensibilidade moderna e musical de Beyoncee, ilustre encarregada da trilha sonora.
É interessante notar que, nessa transposição quase literal do filme de um formato para o outro (quando muito algumas cenas e diálogos acabam mais estendidos, alongados e incrementados) ocorre um inusitado processo onde se evidenciam as fragilidades narrativas da história: Por sua natureza talvez mais pueril, a animação não soava maniqueísta ou despida de sutileza nas passagens de um evento para o outro, fator que acomete o filme simplesmente porque a percepção que se tem de uma encenação realista (ainda que sejam animais gerados virtualmente) é diferente de um desenho animado –e são essas percepções que terminam sendo o calcanhar de Aquiles da obra de Jon Favreau.
Ele fez o que podia: Caprichou no quesito visual criando sequências de encher os olhos, e manteve fidelidade canina ao material original certo de que seria crucificado se fizesse o contrário.
O resultado de tudo isso é que, embora lindo de se ver, “O Rei Leão”  tem a inusitada característica de já nascer com sabor de requentado.

segunda-feira, 15 de julho de 2019

Homem-Aranha - Longe de Casa

Apesar do jovem Tom Holland ser o intérprete que melhor reuniu as características de Peter Parker/Homem-Aranha no cinema, muitos foram os que torceram o nariz para a versão do personagem inserida no Universo Marvel Cinematográfico, sob a alegação de que ele foi descaracterizado, perdendo muito de sua essência ao ser atrelado ao Homem de Ferro de Tony Stark, o que deixou de lado certos elementos seus tidos por determinantes.
Há um pouco de razão nisso; e tais reclamações tendem a se intensificar ainda mais com este “Homem-Aranha Longe de Casa”.
Vindo de uma esteira de mais de vinte filmes, e dando continuidade a um dos mais impactantes dentre eles (o absolutamente espetacular “Vingadores-Ultimato”), o novo filme do Homem-Aranha padece de um problema semelhante ao que acarretou em “Homem de Ferro 2”: Os realizadores, conscientes de que sua narrativa particular integra todo um universo rico, vasto e compartilhado, por vezes se esquecem de focar em seu protagonista e em sua história afundando com frequência num mar de referências sobre acontecimentos que já se sucederam –ou que ainda haverão de se suceder.
É difícil, por exemplo, abordar “Longe de Casa” como uma narrativa independente –coisa que ele não é, e os críticos mais vorazes terão de aceitar o fato que daqui para frente será assim –ele se inicia meses após os acontecimentos de “Ultimato”, ou seja, depois de todas as pessoas dizimadas pelo estalar de dedos de Thanos (fenômeno nomeado aqui como ‘Blip’) serem novamente trazidas à vida –o que inclui o protagonista Peter Parker (Tom Holland, mais adequado ao papel do que nunca) e quase todo seu séquito de coadjuvantes; sua bela Tia May (Marisa Tomei), seu melhor amigo Ned (Jacob Batalon), seu interesse amoroso M.J. (Zendaya), seu rival Flash Thompson (Tony Revolori) e alguns outros.
Aqui, todo o núcleo estudantil daquele elenco arruma as malas para um tour pela Europa –o que confere ao filme as belas ambientações do Velho Continente como Veneza, Praga e Paris. Porém, é claro que os planos de Peter –de conseguir se declarar em grande estilo à garota que ama –serão frustrados por Nick Fury (Samuel L. jackson) que irá requisitar as habilidades de sua identidade super-heróica; um dos poucos disponíveis após as inúmeras baixas e desistências ocorridas em “Ultimato” (algumas delas mostradas em um clip intencionalmente dramático, mas involuntariamente cômico, visto no início).
Fury precisa do auxílio de Peter, ou melhor, do Homem-Aranha, porque gigantescas criaturas desconhecidas, os Elementais, apareceram no mundo criando caos e destruição. O único a se opor a elas vem a ser Quentin Beck (Jake Gyllehhaal, ótimo), segundo o próprio, um superherói vindo de uma realidade paralela ostentando poderes que fazem dele o único salvador à mão –Peter seria assim uma espécie de ajudante.
Até quase a metade de sua duração, “Longe de Casa” divide-se assim entre as tentativas algo atrapalhadas de Peter em ser um adolescente normal –tentando flertar com M.J., inventando estratagemas elaborados para encobrir sua vida dupla ou simplesmente buscando se desvencilhar das exigências de Fury –e seus esforços para conter a ameaça dos Elementais ao lado de Quentin Beck.
No entanto, não é surpresa para ninguém que tenha lido quadrinhos ou tenha um mínimo de conhecimento da mitologia do Homem-Aranha que Quentin Beck é, na verdade, o vilão ilusionista Mysterio –e essa revelação não tarda a ocorrer dando uma guinada até previsível, mas bastante interessante à trama; tão mais interessante pela maneira orgânica com que os roteiristas souberam enraiza-la no contexto do Universo Marvel dando, inclusive, ao Mysterio toda uma funcionalidade cinematográfica que chega a nos fazer perguntar por que esse antagonista não havia sido aproveitado antes.
Como pano de fundo, as paisagens européias de cartão-postal.
Há outro pano de fundo também: A ressonar como um dos empuxos morais e sentimentais da trama está o tempo todo a lembrança de que Tony Stark, o mentor de Peter Parker, não vive mais; e o peso (um tanto quanto grande para o jovem rapaz) de que é ele quem deve herdar agora esse legado.
Eis aí, portanto, um dos motivos para a maior grita dos fãs mais devotados do Aranha: A de que Tony Stark ocupa aqui o papel existencial que seria de direito e de fato do Tio Ben nesta nova versão do herói –o exemplo de sacrifício, heroísmo e responsabilidade que o empurra para frente e o motiva a continuar sendo o Homem-Aranha.
Da forma como é concebido, o filme paga um tributo desmedido ao herói tombado e, na opinião de alguns, descaracteriza seu protagonista real: “Longe de Casa” segue os tópicos narrativos dos dois primeiros filmes do Homem de Ferro (dirigidos por Jon Favreau que aliás tem aqui um papel também ele fundamental), com tamanha preservação de referências e analogias que Peter quase deixa de ser o Homem-Aranha para ser uma espécie de Homem de Ferro Jr.(!)
Quase. Porque uma série de elementos genuínos do herói ainda estão lá. Porque Tom Holland é encantador e inescapavelmente certeiro em sua personificação. E porque o diretor Jon Watts compreende aqui de maneira ainda melhor que em “Homem-Aranha De Volta Ao Lar” que aquilo que define o herói é sua condição perene e periclitante de um ser humano falho passível de se meter em enrascadas mais do que em escapar delas, e com todos esses atributos a lhe pesar ainda tenta salvar o dia e seus entes queridos.
A lição primordial –e à época inovadora –deixada pelo criador Stan Lee, que o Homem-Aranha incorpora como nenhum outro e que a Marvel Studios (mais que qualquer outra produtora) compreende como ninguém.

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Um Duende Em Nova York

Certamente, Will Ferrel é o sol cuja luz ilumina a razão de ser deste projeto –é em sua figura marcante, em sua energia cênica, e em seu humor convicto que se ampara toda a narrativa. Todavia, há que se dar, também, o devido crédito ao diretor Jon Favreau que, compreendendo esses aspectos, soube jogar luz ao seu protagonista, dando a ele palco amplo para suas peripécias mesmo que em detrimento de outros coadjuvantes.
No caso de alguém como Will Ferrel é assim que tem de ser: Tão catalizadora é sua presença, tão escancaradamente caricata é sua comédia que não soa apropriado tratar uma protagonista assim como alguém normal –ou mesmo, real –e, para tanto, a trama de “Um Duende Em Nova York” dosa o non-sense com perfeição.
Ferrel é Buddie, uma criança humana que, ainda bebê, encontrou inadvertidamente no saco do Papai Noel na noite de Natal (!), e terminou indo parar no Pólo Norte onde foi adotado por elfos.
Anos depois, apesar de sua desproporção evidente para com os demais, o ingênuo Buddie, mesmo adulto, ainda não se deu conta de que foi adotado (!).
Ao descobrir o fato, seu impulso é o de natural conhecer seu genitor –cuja pista ele tem uma foto –e que o próprio Papai Noel já informou que se encontra na lista dos ‘meninos maus’.
Seu pai é, na verdade, o empresário Walter (James Caan, sempre ótimo), para quem a ambição pesa muito mais que o altruísmo –e nota-se aí, na dinâmica pai e filho que se estabelece, a similaridade que o roteiro espertamente encontra com o clássico “Um Conto de Natal”, de Charles Dickens; o personagem do pai é, sob diversos ângulos, um réplica, portanto, de Ebenezer Scrooge e, como tal, terá seu cinismo e seu materialismo transfigurados ao longo da história, na descoberta de seu próprio espírito natalino e, aqui, de sua proximidade com o filho.
Sem pressa para percorrer esse arco nítido, e até previsível, mas não menos envolvente e válido, a direção de Jon Favreau aproveita para se esbaldar com o que o filme tem de mais original: Seu protagonista irreprimível, que Will Ferrel transforma num elemento desestabilizador em cada uma das cenas, em cada encontro com um novo personagem, como a jovem que potencialmente será seu interesse romântico (Zooey Deschanel); ou a madrasta que consegue ser mais terna e benevolente que o próprio pai (Mary Steenburgen).
Uma singela produção natalina e, ao mesmo tempo, um veículo para o estrelato do genial cômico Will Ferrel –ainda que seu humor seja com frequência peculiar –este filme beneficiou todos os envolvidos com um expressivo sucesso de bilheteria, o que possibilitou ao diretor Jon Favreau, mais tarde, assumir as rédeas da aventura “Zathura” (a tardia continuação de “Jumanji”) e em seguida de um projeto intitulado “Homem de Ferro”.

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Chef


Tendo sido responsável pelo filme que viabilizou a construção do Universo Marvel no cinema (“Homem de Ferro”), além de sua continuação, de outra obra de imodestas intenções comerciais (o não tão bem-sucedido “Cowboys & Aliens”) e da excelente e aplaudida versão live-action de “Mogli-O Menino Lobo”, o ator e diretor Jon Favreau experimentou certamente as mais variadas facetas da ribalta –desde o reconhecimento numa obra popular passando pela frustração de um trabalho sem o mesmo êxito e a reafirmação de sua capacidade.
Em face dessa trajetória, a trama de “Chef” pode ser perfeitamente vista como uma metáfora transparente e espirituosa sobre os percalços da criação artística.
Para tanto, é significativo que Favreau (normalmente aparecendo como coadjuvante nos filmes dirigidos por si próprio) tenha reservado a si mesmo o papel de protagonista –a identificação não somente é plena, mas ele deseja também torná-la óbvia para o expectador.
Ele é Carl Casper, chef de cozinha de um restaurante cujo proprietário (Dustin Hoffman, uma das muitas participações especiais que surgirão) acomodou-se ao básico para satisfazer seus clientes: Nada de inovações culinárias, mantendo sempre o mesmo menu que faz sucesso entre a clientela fidedigna.
“Se você fosse num show dos Rolling Stones não ficaria indignado se Mick Jagger não cantasse ‘Satisfaction’?” argumenta ele.
Os atritos com Casper começam em função disso: Lá vem um exigente crítico gastronômico (Oliver Platt) para avaliar o chef que, devido a isso, quer dar uma bela reformulada no menu. O proprietário é contra e, por conta disso, Casper recebe severas críticas por sua acomodação –iniciando assim uma atrapalhada rusga digital com o crítico trocando hilárias farpas pelo Twitter (que ele aprendeu a pouco, com o filho pequeno, a usar!).
Incapaz de demonstrar todo o potencial de sua arte, Casper se demite, mas as presepadas na internet ao invés de fazê-lo famoso o fizeram infame: Apesar de seu talento não há contratantes interessados no chef disponível.
É sua ex-esposa (vivida por uma deslumbrante Sofia Vergara) quem sugere aquilo do qual ele procurava evitar: Trabalhar em um trailer-lanchonete.
Entretanto, é ali, naquele pequeno restaurante ambulante –num tour que vai de Miami até Los Angeles (e levando a tiracolo seu sub-chef interpretado por John Leguizano e seu filho vivido por Emjay Anthony) –que Casper irá redescobrir o prazer de exercer a própria arte sem as amarras do protocolo, estreitar os laços entre ele e seu próprio rebento e, quem sabe, reacender a chama do amor que outrora tivera pela ex-mulher.
Sem maiores pretensões como a de fascinar os críticos ou de arrebatar as bilheterias, e munido de uma simplicidade salutar –tal e qual seu próprio protagonista –o diretor Jon Favreau prepara, em “Chef”, um prato delicioso em todos os sentidos; é um desafio não ficar com água na boca diante dos takes constantes de pratos apetitosos e convidativos que os personagens preparam ao longo de todo o filme.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Homem de Ferro 2

Em time que está ganhando, não se mexe, certo?
Com essa idéia em mente, a Marvel Studios, após o estrondoso sucesso de público e crítica de “Homem de Ferro” optou por lançar, dois anos depois, a continuação desse trabalho.
Alternativas não faltavam –na época, exceto pelo Incrível Hulk que ganhou uma nova versão com Edward Norton em 2008, nem Capitão América, nem Thor tinham seus próprios filmes –mas, a Marvel resolveu não arriscar e chamou mais uma vez Jon Favreau para a direção. Liderando o elenco, retornava Robert Downey Jr. garantindo ao filme sua interpretação irrepreensível como o protagonista Tony Stark.
Uma curiosidade: O intérprete de James Rhodes do filme anterior, Terence Howard, não voltou para a seqüência, e em seu lugar foi chamado o ótimo Don Cheaddle que assumiu o personagem e, até o momento, já viveu Rhodes em quatro filmes.
Após ter revelado sua identidade secreta como Homem de Ferro no final do filme anterior, o milionário Tony Stark enfrenta diversos tipos de pressões: Alçado à condição de celebridade ele é pressionado pelo governo à compartilhar a arrojada tecnologia da armadura, no que são apoiados pelo melhor amigo de Stark, o Coronel James Rodhes; ao mesmo tempo, seu ferimento no coração, herdado do ataque do primeiro filme requer uma fonte de energia constante para não matá-lo.
Enquanto isso, um rancoroso inimigo nutre planos de vingança contra o Homem de Ferro: ele é Ivan Danko (Mickey Rourke, uma presença luxuosa), cientista russo que, aliado ao inescrupuloso empresário Justin Hammer (Sam Rockwell), planeja recriar a armadura usando-a para o mal.
Fica perceptível, em muitos momentos, um relativo cansaço do diretor Favreau, pelo fato de estar mais uma vez lidando com os mesmos elementos que tão bem empregou no primeiro filme: Muitas cenas soam quase como uma repetição disfarçada de algo que ele já havia feito antes, embora não faltem momentos bastante divertidos a este trabalho, amparado num roteiro ocasionalmente cômico de Justin Theroux –com quem Downey Jr. havia trabalho em “Trovão Tropical”. Mais do que dar uma continuidade de fato à história de Tony Stark, este filme tem por objetivo, enquanto narrativa, estender os detalhes acerca do Universo Marvel. Para tanto, sua riqueza de detalhes diversas vezes relega a trama a um segundo plano –o quê é fonte de críticas para este filme em especial até hoje –enquanto exibe um gancho explícito para o vindouro filme do Thor (habilmente retomado nessa produção) na forma do personagem do Agente Coulson (Clark Gregg), bem como a aparição bem mais estendida e intensa de Nick Fury (Samuel L. Jackson, que no filme anterior surgiu somente numa cena pós-créditos) e, sobretudo, a esplêndida presença da Viúva Negra (Scarlet Johansson).

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Homem de Ferro

Marco zero do projeto sem precedentes movido pela Marvel Studios, que consistia em levar ao cinema todas narrativas entrecruzadas de seus personagens nos quadrinhos, habitantes de um mesmo universo coeso e interativo.
É curioso lembrar que poucos tinham muita certeza acerca do futuro da Marvel, especialmente porque eles tiveram o atrevimento de iniciar tudo com um personagem então absolutamente desconhecido do grande público que não tinha intimidade com os quadrinhos.
A seu favor, além da presença de um talentoso ator –Robert Downey Jr. –que rendia boas atuações quando não estava bêbado ou na cadeia, eles tinham a liberdade criativa plena propiciada pelo fato deste ser sua primeira investida no ramo cinematográfico.
E mais nada.
O diretor? Jon Favreau que havia realizado dois filmes pequenos e simpáticos, “Zathura” –uma continuação informal de “Jumanji” –e a aventura “Um Elfo Em Nova York”.
Mas a Marvel, como estúdio, foi sábia ao administrar magnificamente bem os elementos que tinha a disposição, e possuir o bom senso de fazer um filme objetivamente bom.
É por esse princípio que somos apresentados à Tony Stark (Downey Jr.), um gênio inventor e multimilionário da indústria armamentista que, durante uma apresentação no oriente médio, é seqüestrado por terroristas que o obrigam a construir uma arma em seu cativeiro.
Entretanto, de posse das parafernálias que dispõe, Stark cria uma armadura absurdamente poderosa que possibilita sua fuga. De volta à civilização, e à sua vida de playboy, Stark decide reconstruir a armadura com aprimoramentos e usá-la para proteger os inocentes sob a identidade do herói conhecido como Homem de Ferro.
A questão é que desde o princípio se percebe a iniciativa da Marvel em realizar um produto de cinema, com todos os predicados necessários para se manter sozinho –uma história eficiente e bem lapidada, uma condução dinâmica, espirituosa e bem humorada do diretor Jon Favreau, um roteiro econômico, sucinto e sem firulas, e uma série de personagens bem escolhidos, bem interpretados e bem distribuídos e suas várias contribuições aos avanços da narrativa.
E, ao centro de tudo, a interpretação vistosa, descontraída e convicta de Robert Downey Jr. finalmente deixando a imagem de ator problemático para trás e abraçando a promessa de estrelato que seu imenso talento há muito tempo sinalizava.
Tudo isso, em 2008, funcionou como uma máquina das mais bem azeitadas, transformando “Homem de Ferro” numa das aventuras mais bem acolhidas pelo público de que se tem notícia: Era comum ouvir comentários afirmando o quanto Downey Jr. era surpreendentemente perfeito para o papel, ou como suas cenas de ação acrescentavam (e não se sobrepunham) à história.
Construído da mais apurada fusão de carisma, ação de alta voltagem e cuidado narrativo, “Homem de Ferro” pavimentou o início de um longo caminho que possibilitou a consolidação do verdadeiro gigante das telonas que a Marvel Studios é hoje.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Mogli - O Menino Lobo

A criatividade visual esbanjada pelo diretor Jon Favreau pulsa em cada fotograma desde seu novo trabalho, mais um da série onde os estúdios Disney transportam para a encenação live-action seus clássicos animados.
E é com satisfação que se conclui que “Mogli” é, até agora, o melhor de todos eles.
Após o início, com “Alice No País das Maravilhas”, de Tim Burton arriscando efeitos em 3D pós-“Avatar” (e a continuação “Alice Através do Espelho” foi lançada este ano, mas essa é uma outra história...), e os subseqüentes “Malévola”, com Angelina Jolie, e "Cinderella", o estúdio está pronto para (re) explorar o filão de suas marcas: Estão engatilhados uma versão de “A Bela e A Fera”, e “A Pequena Sereia” para os próximos anos.
Mas é “Mogli” que vem mostrar (a despeito da bilheteria imensa do açucarado “Malévola”) que isso tudo pode funcionar.
Orfão encontrado na selva pela pantera Baquera (a voz apropriada e solene do grande Ben Kingsley), o filhote de homem, Mogli (o surpreendente garotinho Neel Sethi), é levado para ser criado pelos lobos, os mais adequados à essa tarefa. Mas, com o passar dos anos, Mogli atrai a fúria do tigre Shere Khan (na voz poderosa e amedrontadora de Idris Elba), que usa o medo para controlar toda a selva, e obriga Mogli a tentar regressar às aldeias dos homens, buscando refúgio.
Nessa tentativa de fuga da sanha de Shere Khan, Mogli encontra o urso Balu (a voz divertida e reconfortante de Bill Murray), cuja despojada filosofia de vida oferece uma alternativa amena aos dilemas que as circunstâncias lhe impõem.
Não há como negar que “Mogli” oferece uma bela evolução do talento de Jon Favreau como realizador. Após dar o pontapé inicial no bem-sucedido Universo Marvel Cinematográfico com “Homem de Ferro”, Favreau viu seu estilo ficar cada vez oprimido pelas diretrizes da indústria na sua continuação e no caótico e equivocado “Cowboys & Aliens”. Voltando às suas raízes do cinema independente, Favreau encarou espontaneamente uma produção quase de guerrilha com o singelo e simpático “Chef”, belo trabalho que pareceu lhe restaurar as energias para este projeto, por natureza, imerso nas logísticas complexas da computação gráfica: Durante grande parte do filme, tudo é gerado por computador, tanto os animais, quanto a exuberante floresta que os envolve, exceto seu pequeno protagonista, o quê só salienta o notável trabalho do jovem Neel Sethi, e a austeridade da direção de Jon Favreau.

O projeto em si faz muito lembrar, por isso mesmo, o premiado “As Aventuras de Pi” de Ang Lee, onde também vemos um jovem protagonista hindu às voltas com personagens e todo um mundo de situações inusitadas que jamais ganhariam forma senão pela magia proporcionada pelos milagrosos efeitos visuais da atualidade.